Convite Inesperado

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Zoelma ouviu atentamente toda nossa história. Com apenas cinco minutos de conversa, eu já estava me sentindo o melhor amigo daquela mulher. Por ser um cara extrovertido, eu sempre tive uma facilidade muito grande em me relacionar com as pessoas, mas Zoelma tinha um jeito tão maravilhoso de fazer perguntas e falar com a gente, que mal dava pra perceber que o assunto principal ali era nossa intimidade.
- Aí, que história linda vocês dois têm! Existem pessoas que demoram anos para encontrar sua alma gêmea, sabiam? Algumas delas, nem encontram. Vocês dois são privilegiados por terem se encontrado tão cedo… - sorri, contente. Apesar do Carlinhos me encher o saco o dia todo e eu ter muita vontade de afogá-lo na privada de vez em quando, eu adorei ouvir de alguém de fora aquilo que eu sentia no fundo do meu coração. Nós havíamos sido feitos um para o outro.
- Eu sinto que ele é o amor da minha vida Zoelma, mas não entendo o motivo de não consigo me entregar completamente a essa relação…
- Isso mesmo, continuem falando de mim como se eu não estivesse aqui do lado, porque estou adorando ouvir… - Carlinhos abriu aquele sorriso presunçoso. - E eu não entendo como ele consegue resistir tanto a um cara tão bonito e todo trabalhado na gostosura como eu… - Zoelma gargalhou e eu revirei os olhos.
- É muito natural isso acontecer, Lucas. - disse bebendo um gole do seu suco. - Pelo que eu pude entender, o Carlinhos já vinha se descobrindo antes de entrar na sua vida e no seu caso, por muitos motivos, você viveu numa constante negação de si mesmo. É por isso que tem coisas que ele consegue lidar com muito mais facilidade do que você… - ela olhou pra mim e sorriu. - Isso não quer dizer que você seja uma peça com defeito, você só precisa se aceitar. - ela falava tudo com tanta praticidade que era impossível não me sentir melhor.
- Mas eu já me aceitei, senão não estaríamos namorando há quase três anos...
- Não Lucas, você aceitou o Carlinhos e o amor que você sente por ele, é diferente.
- Não entendi…
- Você não aceitou quem você realmente é para si mesmo, entendeu? É nisso que você precisa trabalhar… - olhei pra ela confuso e Carlinhos se intrometeu.
- Você precisa aceitar que é VIADO Lucas! É isso que ela está te dizendo… - exclamou com aquele jeito espontâneo dele, me fazendo morrer de vergonha.
- Cala a boca, Carlinhos! Doidice… - falei bravo.
- Vocês dois são demais… - Zoelma não parava de rir com a gente.
- Ué, tô mentindo? - disse passando uma batatinha na maionese. Eca, era nojento aquilo! Eu odiava maionese. - Não foi isso que você disse dona Zoelma?
- Pode deixar o dona em casa, não façam eu me sentir mais velha do que já sou…
- Eu sei que sou gay, idiota! - olhei pra Carlinhos esfregando minha batata no pote cheio de mostarda, só pra irritá-lo. O nojo que eu sentia por maionese, ele sentia por mostarda. - Eu não tenho nenhum problema em beijar você, isso não é ser gay, por acaso?
- Isso só sou eu beijando bem caralho com uma boca irresistível. Não precisa ser gay para saber disso… - disse com um sorriso zombeteiro. Esse era um daqueles momentos que eu queria poder enfiar a cabeça do Carlinhos na privada.
- Se acalmem… - pediu Zoelma com sua tranquilidade genuína. - Não precisam brigar por isso… - ela parecia minha mãe apaziguando minhas brigas com os meus irmãos. - Os dois estão corretos, na verdade. O fato de você saber que é gay Lucas, não significa que você se aceita dessa forma, entendeu? Você falou bastante de sua família, da religiosidade da sua avó, da intervenção e julgamento de seus parentes, dos preconceitos que têm sofrido, mas em nenhum momento falou de você. Lucas, enquanto você continuar buscando aceitação das pessoas de fora, sem procurar a aceitação em si mesmo, você vai continuar com esse auto bloqueio para viver a vida que lhe faz feliz. - ela olhou no fundo dos meus olhos. - Mesmo que você tivesse seguido os padrões impostos pela sociedade e escolhido uma pessoa do sexo oposto para amar, você acha que não haveria julgamentos? Ou que sua família não iria opinar sobre ela ser ou não boa o suficiente pra você, ser gordinha demais, magrinha de menos, essas besteiras? Independente de qualquer coisa, sempre haverá julgamentos, porque o ser humano é assim. Muitas vezes apontam nos outros, o que querem esconder em si mesmos. E agora é uma questão de escolha, você prefere escolher viver a vida que os outros querem que você viva, ou você prefere olhar pra dentro de si e buscar aquilo que te faz feliz? As únicas pessoas que devem saber o que é melhor pra vocês, são vocês mesmos, entendeu?
- Alguém, por favor, me traga a passagem para Hollywood que eu vou lá buscar o Oscar dessa mulher! Porra! - Carlinhos só faltou atravessar a mesa e dar um beijo em Zoelma. - Você é muito foda!
- Carlinhos, fala baixo e pára de dizer tanto palavrão! Que falta de educação…
- Lucas ela disse em um minuto o que eu tento te dizer há anos! O cu é nosso, porra!
- CARLINHOS!!! - ai meu Deus! Ele não tinha dito isso em voz alta. Olhei para o lado disfarçadamente, rezando pra ninguém ter nos ouvido. Zoelma nesse momento, chorava de rir.
- Meus lindos, eu tenho um compromisso na Barra em duas horas... - disse olhando para o relógio em seu pulso. - Eu realmente preciso ir agora, mas eu adoraria continuar essa conversa com vocês em um outro momento. - Ela retirou um cartão de sua bolsa e entregou pra gente. - Aqui está o meu telefone, me ligue amanhã para marcarmos de nos encontrarmos novamente, eu sinto que ainda temos muito assunto pela frente...
- Nós não queremos tomar mais o seu tempo, você já nos ajudou demais hoje… - falou Carlinhos com o mesmo aperto no coração que eu estava sentindo. Era nítido o quanto nós dois sabíamos que precisávamos de alguém como Zoelma nas nossas vidas. Mas é óbvio que não tínhamos a menor condição de bancar isso.
- Há tempos que eu não me divertia tanto como me diverti hoje. Vocês tem compromisso, para o próximo final de semana? - olhei para Carlinhos que deu de ombros sem entender o que estava acontecendo.
- Acho que não.
- Vocês já foram para a Barra de São Miguel, né? - nos amávamos a Barra de São Miguel, era um dos lugares mais bonitos que a gente conhecia em Alagoas. Apesar da longa distância, Carlinhos e eu sempre que tínhamos condições fazíamos bate e volta pra lá. Adorávamos a riqueza daquele lugar. - Eu faço questão de convidá-los para passar o final de semana lá na minha casa, aceitam? Podemos passear de lancha e teremos um tempão para conversarmos… - ela estava falando sério?
- Claro que a gente aceita, né Lucas? - enquanto meu cérebro estava processando, Carlinhos já estava respondendo.
- É?
- É!
- É, mesmo?
- É claro que é!
- Então, é… - parecíamos dois idiotas.
- Então está fechado, dona… ops! Zoelma!
- Maravilha! Me liguem amanhã para eu passar o endereço a vocês. - ela pagou a conta e antes de sair nos deu um beijo maternal na cabeça.
- Isso aconteceu, mesmo? - perguntei, ainda incrédulo.
- Acho que sim. - Carlinhos sorriu pra mim. - Preto, alguma coisa dentro de mim está dizendo que esse encontro de hoje foi o início da mudança de nossas vidas. Não respondi para Carlinhos, mas no meu coração eu sentia a mesma coisa.

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora