Cap. 19 - Espíritos

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A emergência do hospital público estava repleta de pessoas que esperavam atendimento, na maioria idosas que sofriam as consequências da pressão alta, da diabetes e problemas renais, que eram os pacientes prioritários.

Casos mais graves, como acidentes, eram atendidos imediatamente.

Casos simples, de pouca gravidade como o de Yashalom, teriam de esperar pela disponibilidade dos poucos médicos presentes, ainda mais em se tratando de um sábado à noite, quando havia mais escassez desses profissionais.

Sarah não estava disposta a esperar a noite toda para que a sua filha fosse atendida.

Então a fez aguardar do lado de fora enquanto foi fazer valer as suas influências, procurando alguma conhecida que pudesse agilizar o atendimento.

Yashalom ficou quieta e alerta, sentada em uma cadeira precária junto às outras pessoas que precisavam esperar com muita paciência para serem atendidas.

Embora estivessem passando mal, não eram consideradas pacientes prioritários, pois não eram idosos, nem crianças e não corriam riscos de morte, teoricamente.

A menina encolheu-se, segurando o antebraço que tinha o pior corte e que ainda manchava o curativo, olhando para as outras pessoas, sentindo calafrios e temores, que nada tinham a ver com os ferimentos.

Por isso, detestava hospitais.

Por sobre aquelas pessoas flutuavam formas humanóides e vaporosas que Yashalom enxergava e ouvia como se elas fossem fisicamente palpáveis. Havia muitas formas-pensamentos enfumaçadas, enegrecidas, principalmente sobre um determinado paciente que parecia prestes a entrar em coma alcoólico.

A quantidade de espíritos-vampirizadores que circulavam sobre a desgraçada figura era medonha, mais parecendo um enxame de moscas sobrevoando algo fétido e podre... o que, de certa forma, era o espírito daquele homem escravizado pela paixão ao álcool.

Yashalom tremeu, abraçando-se ainda mais, ignorando a ardência e as pontadas dolorosas em seus braços arranhados, afundando ainda mais na cadeira tosca de plástico.

Comprimiu com força as pálpebras a fim de não poder mais visualizar aquelas coisas, embora de nada adiantasse, pois não era através da visão de carne que os via.

Percebeu quando algo terrivelmente perturbador se aproximou dela, ajoelhando-se aos seus pés e balbuciando coisas desconexas em uma linguagem que ela não conseguia entender.

Abriu os olhos estarrecida e por muito pouco não gritou.

Seu grito ficou preso à garganta, graças aos anos de adestramento em ocultar suas reações diante daquilo que apenas ela via e ouvia.

A coisa que se ajoelhou diante dela e tocava em suas pernas com malícia era um molambo, um Espírito recoberto de trapos da cabeça aos pés e que fedia a dejeto.

Ele era tão real, tão palpável, que Yashalom teve dúvidas se era mesmo um espírito ou um homem de carne e osso.

Sentia o toque nojento dele subindo por suas pernas, chegando aos seus joelhos.

Era real, de fato.

Mas não era físico.

E Yashalom juntou toda a sua bravura para não manifestar nenhuma reação, estando ela em meio a tantas pessoas.

Sentiu o hálito fétido da criatura chegando próximo ao seu rosto, quando, mais uma vez, fechou os olhos com força, suplicando para que aquilo sumisse dali.

“–– Mãe de Deus! Tire essa coisa daqui!” – Exclamou do fundo de sua alma, em uma oração desesperada e muda.

Uma ventania acertou Yashalom, e apenas a ela.

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora