Cap. 26 - Mãe

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Era um quarto amplo, de andar alto, em piso de tábua corrida lustrosa e decoração feminina, mas antiga.

Provavelmente os móveis tinham a mesma idade da casa, perto dos cem anos, pois eram em madeira sólida e escura, com entalhes de flores e fitas decorando o armário, cômoda, cadeiras e a cama de postes sem o dossel.

A janela era grande e tinha duas folhas de vidro que se abriam para dentro e uma cortina grossa e rosada caia por trás delas, deixando entrever a paisagem rural.

Era um dia claro, mas sem sol, e ao longe se podia divisar uma cadeia de montanhas azuladas.

Sentada na beira da cama, estava uma moça de costas para a janela.

A sua melancolia era perceptível, embora não fosse possível ver o seu rosto que estava nas sombras.

Os cabelos eram longos e dourados, mais intensificados pela luz natural e, algum dia, deviam ter sido bem tratados.

Uma mulher em trajes sóbrios e cabelos esticados num coque entrou à frente de Sarah e parou diante da moça que manteve a cabeça baixa, se recusando a encarar a mulher robusta que aparentava ter por volta dos cinquenta anos.

Grian acompanhou o que seriam os passos de Sarah, uma vez que ela própria não era visível na cena, e pôde então ver com mais nitidez o rosto que a moça evitava levantar.

Uma voz autoritária e amarga se fez ouvir, despejando cada palavra como fosse veneno.

–– Sarah, esta é a minha filha perdida, que fugiu com um qualquer e agora volta prenha dele, porque – obviamente que isso aconteceria – ele a largou e não havia outro lugar para se esconder do que a casa dos pais. Sabe como são esses filhos ingratos – e que Deus lhe poupe deles, querida! – esquecem dos pais, esquecem tudo que nós fazemos por eles, e se jogam no mundo atrás de aventuras, e só voltam a se lembrar de nós quando descobrem a burrice que fizeram! É a velha parábola do filho pródigo!

Grian pode ver que lágrimas silenciosas escorriam pela face lívida da moça e que ela não parava de apertar as mãos sobre o ventre inchado, sentindo que ela evitava a custo retrucar o que a mãe dizia.

A mulher pegou com grosseria a moça pela manga do vestido, obrigando-a a se levantar e ficar diante de Sarah.

Grian controlava a sua indignação, tentando não se envolver com a cena, o que seria algo completamente inútil e sem propósito.

Viu que a moça mantinha a sua convicção de não cruzar o mais rápido olhar com a mãe.

Ela aparentava cansaço, havia olheiras profundas sob os olhos – que percebeu serem da mesma cor e tonalidade dos de Yashalom – e estava muito magra, tanto que a barriga de gravidez era quase imperceptível sob o vestido largo.

–– Mariellen, esta é Sarah Sant’Anna, a enfermeira que nós contratamos para cuidar de você. Espero que jamais se esqueça que não a desamparamos mesmo quando você merecia ser jogada na rua!

A mulher saiu do quarto em passos firmes, os saltos do mocassim fazendo um barulho agourento sobre o assoalho de madeira.

Quando a porta bateu com estrondo, Sarah se adiantou até Mariellen, amparando-a em seus braços, sem se preocupar se estava sendo abusada ou não.

Grian podia perceber os sentimentos de Sarah que estavam impregnados naquelas lembranças: ela fervia por dentro de indignação e pena.

–– Oh, criança! Tente não deixar se levar pela amargura da sua mãe! Agora vai ficar tudo bem, vai melhorar, você vai ver! Vou ficar contigo até depois do bebê nascer e você aprender a cuidar dele sozinha.
Mariellen nada falou.

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora