Cap. 14 - Manifestação

33 17 0
                                    

É noite e as ruas estão mais movimentadas que o habitual, por ser sexta-feira, quando muitos esticam o seu dia nos bares, cinemas e teatros.

O burburinho agitado chega até os andares mais altos dos prédios residenciais, incomodando a maioria dos moradores que preferia dormir na noite de sexta-feira como fosse qualquer outro dia da semana.

No último andar do prédio de luxo, em que há um apartamento por andar, apenas um cômodo permanece iluminado por uma luz fraca que parecia se intimidar com tanta escuridão ao redor.

O apartamento de trezentos metros quadrados era realmente grande, mas ficava ainda maior e mais desolado por haver apenas dois moradores que não conviviam harmoniosamente.

Apesar da opulência, era vazio e órfão de vida.

Herbert está parado em frente à porta maciça de mogno, de ornamentos Art Nouveau em alto relevo.

Em sua mão pendia a chave eletrônica da porta e em seu semblante a angústia.

Buscava coragem para entrar.

Por mais que houvesse em sua hipocrisia mil argumentos que justificassem seus atos de luxúria e traição, era sempre muito difícil ter que encarar a esposa e fingir que ele nada lhe devia, de que tudo estava perfeitamente correto.

Não poderia permanecer a noite toda no hall, embora ali houvesse conforto suficiente para se passar a noite: havia um sofá formando jogo com duas poltronas, um belíssimo tapete lanoso e até uma mesa de centro em inox e tampo de cristal com algumas revistas.

Mas também havia a câmera de segurança e, provavelmente, os funcionários do prédio adorariam ver a patética cena do grande promotor público dormindo fora de casa como fosse um cão escorraçado.

Ao acender o led verde, um clique mecânico indicou que a entrada estava destrancada.

Herbert entra, fechando e recostando-se na porta. A enorme sala estava às escuras e ele odiava o escuro.

Mesmo sabendo disso, sua esposa se recusava a deixar, ao menos, os abajures ligados.

Mas ele não tinha moral para repreendê-la por isso, nenhum direito para fazê-lo.

Sua mão apalpou a parede, buscando pelo interruptor.

As luzes se acenderam, mas ainda assim a sensação de escuridão permanecia na sala.

Desolado, o homem olha para a sua amplitude, para os móveis de alto luxo e desenho moderno, o tapete belga felpudo, as telas a óleo de artistas consagrados e os objetos inúteis e decorativos feitos em materiais nobres.

Tudo muito lindo, elegante e rico, mas tudo desprovido de vida e alegria, tudo muito artificial e vazio.

Seus pais deram o apartamento como presente de casamento, há quinze anos.

Ele quis o maior que estivesse disponível naquele bairro concorrido da segunda maior cidade do país.

Queria-o grande, pois queria uma família igualmente grande, tal qual o seu amor parecia exigir naquela época.

Quinze anos se passaram e a família jamais se expandiu e, hoje, ela quase nem podia mais ser chamada disso.

A cada dia que passava, seu casamento se tornava mais de aparências.

Em que ele havia errado e quando exatamente tomou o caminho contrário, quando deveria ter estado mais presente em essência do que contornar a situação com presentes caros e inúteis, ele já não sabia.

Meneou com raiva a cabeça e respirou fundo.

Havia enfrentado muitos casos difíceis e complicados no tribunal, já havia até suportado ameaças à sua carreira, à sua integridade e até a sua vida, mas subir ao palco de sua vida conjugal e defender uma posição era dolorosamente difícil para ele, principalmente porque ali ele se sentia o réu e não o promotor.

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora