Cap. 37 - Nova

21 16 0
                                    

Não havia uma rota definida na mente de Mariellen. Ela simplesmente pegou o carro e saiu desembestada da casa de seus pais. Por sorte ou providência divina, as estradas estavam livres de carros.

Como não tinha ideia para onde ia, dirigindo automaticamente, Mariellen acabou parando em um recanto desabitado, no alto de uma colina, estacionando no recuo da estrada, para o acesso daqueles que quisessem parar no mirante, cuja vista se abria para o vale onde se situava a pequena e próspera cidade do Paraná.

Saiu do carro, batendo a porta com raiva.

Apesar da vista deslumbrante, não era isso que a mulher enxergava.

As cenas de sua vida se desenrolavam em sua mente, em ordem cronológica decrescente, terminando por rememorar, dolorosamente, os dias de sua gravidez e os curtos meses que permaneceu ao lado de Zach como esposa dele no Mundo Místico.

Ela se apoiou na mureta de contenção. O vale se abria aos seus pés em uma ribanceira rochosa sob o mirante.

A angústia dilacerava o seu coração e estrangulava sua garganta.

Sempre sonhou como seria se sua filha tivesse sobrevivido.

Várias vezes ousou fantasiar que Zach retornaria à Terra para levá-las com ele para o Mundo Místico, onde os três finalmente seriam uma família.

O aperto na garganta começou a se desmanchar em lágrimas que, com dificuldade, escorriam pela face de Mariellen.

Saber que a sua filha amada e tão desejada nascera viva e fora abandonada era muito pior do que se ela não existisse, afinal qual horrível destino a pobre criança teve?!

Ela sabia que a menina seria diferente.

E se essa diferença fosse física? E se ela fosse como o pai?

Mariellen deixou-se cair no chão, sentindo-se totalmente exaurida. Não tendo forças e coragem sequer para dar fim à sua vida falida, como pretendia.

–– Yashalom... que Deus a tenha protegido, meu bebê!

~*~

Num só fôlego Yashalom acorda, sentindo o peito arder sobre o coração, no chakra cardíaco.

Tendo o corpo pesado e sem energias, com dificuldade ela se ergue com os cotovelos.

Em sua mente, como um sonho que se desvanece, a voz dolorida de uma mulher chama por seu nome e enorme tristeza e solidão a envolvem como um manto.

Algo desesperador e confuso toma conta de si.

Por segundos, longos segundos, ela não consegue identificar onde estava, qual era o dia, as horas e até mesmo quem ela era de fato.

Foram apenas trinta segundos, mas trinta segundos que pareceram longos como a eternidade.

No desespero em sua mente, vasculhou suas memórias para, ao menos, saber o seu nome e reconhecer onde se encontrava.

Fatos estranhos se mostraram vertiginosamente.

Cenários áridos de gelo e neve.

Mares, terras, rios, como se voasse acima deles.

Batalhas sangrentas enfrentadas a próprio punho ou a fio de espada, em que até os sons dos metais se chocando e o cheiro acre de sangue e terra se tornaram reais.

Yashalom puxou o ar para os pulmões em desespero e deixou que seu rosto afundasse no travesseiro.

Seu coração e respiração estavam acelerados.

A vertigem dava-lhe enjoos e os zumbidos em sua cabeça se tornavam mais e mais nítidos, a ponto de ela começar a compreender palavras e trechos de conversações.

Mas não pode se concentrar para entender tudo que ouvia de dentro da sua cabeça.

Enzo entrou no quarto, seriamente preocupado.

Ergueu a menina pelos ombros, sentada-a na cama.

Ela estava encharcada de suor, tendo a blusa e os cabelos molhados.

Enzo passou a mão pelo rosto dela, afastando as mechas que se grudavam na testa.

–– Yashalom... como se sente?

Estava confusa demais para responder de imediato.

A boca e garganta estavam secas, dificultando as palavras.

Com custo, umedeceu os lábios e, só então, conseguiu se pronunciar em voz baixa e fraca.

–– Me sinto... esquisita... c-como se algo em mim... parece que... se quebrou, rompeu, não sei...

Enzo sorriu com doçura, vendo a melhoria na fisionomia dela.

–– Algo se quebrou, sim, Yashalom. Você está se tornando quem você é de verdade.

Yashalom piscou em profusão, pensando não ter compreendido o que Enzo lhe falou.

Em sua perturbação mental, ainda não havia se questionado o que ele fazia ali, como e porquê.

–– Você... está brincando comigo! –

Tentava negar o que sentia saber ser verdade e se enganar de que não era nada disso.

No fundo ela sabia que algo muito estranho aconteceu e outros mais estranhos ainda acontecerão.

--Não, meu anjo... estou falando sério e você sabe muito bem que sim.

Neste instante, Wojtyla apareceu e parou à porta do quarto, encarando friamente a garota.

Intimamente, Enzo lamentou a postura irascível do amigo, mas se conteve para não censurá-lo naquele momento.

–– Você saberá e aprenderá muito mais, Yashalom. – O rapaz falou secamente, escondendo o turbilhão de sentimentos e emoções que despertaram depois de seu desdobramento, quando levou a garota ao seu mundo mental. –– Tudo de estranho, que você pensa ser estranho... tudo o que sente, vê, ouve, tem uma explicação e não é absolutamente nada sobrenatural. Enzo e eu estamos aqui justamente para auxiliá-la nessa sua nova vida. A princípio, será árdua, mas você não passará por isso sozinha... não estará mais sozinha.

Estática, Yashalom encarou o seu ex-Tutor com assombro, com os olhos arregalados de incredulidade e com a respiração quase imperceptível.

Wojtyla mantinha-se igualmente estático, mas aguardava pacientemente.

Já havia conseguido domar seus sentimentos em relação à filha de Zach, mas nem por isso deixava de senti-los.

Apenas cuidava para não ser influenciado por eles.

No fundo, gostaria de aconchegá-la em seus braços e protegê-la de todos esses tormentos.

–– Você é... o Homem Branco. –

Yashalom falou fracamente, como que assimilando uma ideia que acabava de ter.

Enzo se voltou estupefato para o amigo.

Viu um sorriso vacilante se formar nos lábios dele, derrubando a sua compostura rígida.

–– A sua força mental é extraordinária, pequena híbrida! – Acabou por sorrir, cedendo à sua admiração. –– Não será fácil educar o seu poder, mas essa percepção que possui será uma grande aliada nossa.

Wojtyla pegou as mãos frias da garota, aconchegando-as entre as suas.

Tal atitude recebeu um sorriso de aprovação de Enzo.

Yashalom permaneceu como estava, olhando fixamente para o polonês.

–– Tudo será melhor, Yashalom. Sem mentiras, sem dor, sem angústias. Você poderá assumir quem é de verdade e aprenderá a lidar e manipular essa Força que possui.

•°•°•°•°•°•°•
N/A: Se estiver gostando da história, clica na estrelinha e deixe o seu voto. Isso ajuda na divulgação, fazendo com que se destaque nesse oceano de livros do Wattpad. Obrigada✌🏻😁

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora