Cap. 40 - Inverno

27 16 0
                                    

A paisagem outonal cedia a vez ao branco frio e insensível.

Eram poucas as folhas douradas que ainda restavam nas enormes árvores daquele bosque infinito.

O chão já se forrava de neve e quase todo o dourado desaparecia sob ele.

Era chegada a hora da hibernação, a hora de sanar dores e feridas, de entorpecer os sentidos e dormitar, recolhendo e concentrando toda a Energia Vital.

Se tudo continuar seguindo o fluxo natural evolutivo, um dia esse branco frio será substituído por uma explosão de cores, sentidos, calor e energia poderosa e renovada, na forma de Primavera, quando a vida se emerge e renasce, tão forte quanto as chuvas torrenciais ou as cheias dos rios que alagam paragens e empurram toda a forma de sementes e minerais, contribuindo na explosão de vida.

Mas, até lá, é preciso sobreviver ao rigoroso Inverno.

A escadaria rústica em pedras e raízes brilhava, cristalizada pelo gelo.

Sobre o pequeno castelo e nas esculturas de pedra dos leões corníferos, uma pequena camada de neve começava a se acumular.

Foi apenas uma primeira e pequena nevasca, mas que surgiu antes do esperado.

Mitra, descalça e de longo vestido negro, descia a escadaria cautelosamente, não pelo gelo que a recobria, fazendo parecer cristal de rocha, mas pelo receio do que encontraria ao final.

Foram quase três décadas presa àquele castelo milenar.

E, de todo esse tempo, jamais lhe foi permitido transpor os limites da escadaria.

A sua guardiã jamais permitiu.

Quando alcançou o último degrau, uma mancha negra surgiu à sua frente, no átrio.

A mancha tornou-se nítida e Asas Negras, em sua forma de criança, materializou-se com um sorriso matreiro.

–– O Inverno chegou, minha senhora.

Emocionada, Mitra ergueu o pé direito e tocou o chão depois do último degrau.

Ela acabava de se libertar dos limites do castelo e da escadaria, avançando mais um pouco ao seu destino derradeiro.

–– O que me aguarda, Negras? Quando poderei sair daqui e ir para o mundo?

–– O sono a aguarda, minha senhora. É preciso que Mitra durma para que Yashalom desperte. E eu continuarei a cuidar de ambas, mesmo quando se tornarem apenas uma.

~*~

O Passeio Público, o parque arborizado que ficava a duas quadras do Darcy Ribeiro, estava movimentado de pessoas que atravessavam sua extensão, cortando caminho naquilo que seria o centro do quarteirão.

Eram por volta das doze horas, e quase todos que ali estavam apressados, estavam em horário de almoço.

Yashalom acabava de deixar a escola, depois de um dia típico de aulas.

Típico para os outros.

Para ela era como se tudo tivesse se desmanchado e perdido a forma e importância.

Ainda assim, agradecia por nada de anormal ter acontecido.

Ela não precisava de mais nenhum absurdo em sua vida.

Parou sobre o bonito mosaico circular que adornava o calçamento em pedra, que um dia fora colorido.

Sob a sombra de um Pau-ferro, estavam aquelas duas figuras estranhas que agora faziam parte de sua vida.

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora