Cap 15 - Lírios

38 17 0
                                    

Victor saiu curvado do grotão.

Assim que alcançou o céu aberto, seus olhos foram atingidos com os primeiros raios de sol que começavam a surgir na linha do horizonte, varrendo a escuridão da noite e deixando nítida a imagem do vale rochoso que se estendia aos pés daquela montanha.

Havia uma mistura de cores que era impossível não apreciar: ocres, laranjas, azuis e negros.

O nível em que Victor estava na montanha não era dos mais altos, sendo possível atingi-lo após meia hora de caminhada.

As rochas eram moldadas pelos séculos de ventos constantes, sendo polidas em seus convexos, formando várias camadas de ondas que deixavam à mostra os seus veios.

Havia escassa vegetação que crescia teimosamente por entre as fendas em que era possível acumular um pouco de terra levada pelo vento, sendo em sua maioria arbustos raquíticos e de aparência ressecada.

O rapaz recostou-se ao lado da entrada do grotão, a fim de apreciar o amanhecer.

A corrente de ar que havia naquele chapadão soprava um vento constante e relativamente forte que chegava assobiar.

As mechas que ficavam soltas do rabo-de-cavalo, que prendia os cabelos encacheados de Victor, bailavam nas laterais de seu rosto anguloso, e não era, exatamente, uma expressão de contentamento que pendia em seu semblante.

Havia um ar de receio e preocupação. Havia uma dubiedade de sentimentos se agitando dentro dele, que ele pretendia ignorar, não se permitir ouvir nenhuma razão contrária à de sua antiga vendeta.

Isso o aborreceu a ponto de impacientar-se em permaner ali, principalmente porque ainda continuava naquele lugar apenas pelo mero prazer de presenciar a aurora.

Girou nos calcanhares para pegar a trilha que o levaria aos pés do rochedo, pois fazer um esforço físico lhe serviria como um bom antídoto para se livrar de pensamentos inconvenientes.

Mas, ao distinguir uma folhagem diferente escondida entre os galhos retorcidos de um arbusto, foi até ela, ajoelhando-se e afastando o matinho.

Eram folhas largas e compridas em forma de espada, que protegiam um galhinho frágil de onde pendiam quatro florzinhas alvas em formato de sino.

Victor as apoiou em sua mão esquerda, dando um sorrisinho afetado.

–– Veja só que ironia: um lírio-do-vale crescendo neste lugar inóspito e quente!

Permaneceu por instantes observando as flores que, mesmo humildes, acabaram impondo a ele uma retrospectiva em suas lembranças e sentimentos de uma parte que gostaria que estivesse esquecida, mas que sempre teimava em ressuscitar das cinzas de seu passado.

“–– É uma promessa... é o que isso significa para nós...”

Súbitos ódio e amargor tomaram conta de Victor, que fechou sua mão em punho, esmagando as pequenas flores e arrancando-as de seus galhos frágeis, jogando-as no chão e pisando sobre o que sobrou delas, indo embora sem olhar para trás.

~*~

Bosque é o nome do bairro em que Yashalom mora. Um bairro suburbano, residencial, com apenas um pequeno comércio familiar disperso e nenhum outro atrativo além da praça que circundava a igreja matriz, onde se instalavam barracas de comes e bebes nos finais de semana.

Apesar de ser uma região menos abastada, cujos moradores pertenciam, no máximo, à classe média, era um bairro bastante tranquilo, arborizado e limpo.

Quase todas as casas ostentavam um pequeno jardim, e havia canteiros em quase todas as calçadas e em volta das árvores.

Há muito tempo atrás, Bosque fora uma grande fazenda de café, e a área de reserva natural que ela mantinha é hoje o Jardim Público do bairro, onde as pessoas fazem suas caminhadas ou passam os dias livres.

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora