Cap. 23 - Contenção

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Havia uma construção de pedras no alto da elevação, cujo acesso era por uma escadaria natural tramada pelas grossas raízes que atravessavam o caminho ladeado por árvores milenares, guardiãs altivas que lançavam suas copas eretas ao céu infinito.

A atmosfera era luminosa e dourada. Os raios de sol atravessavam as barreiras de folhas e galhos, lançando seus raios e formando luz e trevas ambiguamente.

Folhas estreladas e oxidadas forravam o chão de rochas e raízes.

Musgos, líquens e outras plantinhas oportunistas se agarravam aos troncos grossos e nodosos, tão antigos quanto o próprio mundo.

O som perdia-se naquele oceano de árvores, mas era possível divisar chilreados alegres de aves e o murmúrio distante de quedas-d'água... e passos.

Baques secos e abafados eram ouvidos no mesmo ritmo do farfalhar das folhas douradas que cobriam a escadaria e que a cauda do vestido longo varria à sua passagem.

Em oposição à suntuosidade da vestimenta, os pés estavam descalços, mostrando sua forma delicada e os pequenos anéis de prata que adornavam alguns dos dedos.

Ao final da escadaria, uma longa estrada reta e aparentemente sem fim se desenrolava ainda mais à frente.

E duas belas esculturas de pedra guardavam a entrada: dois enormes felinos de pêlos tão longos e lanosos que formavam cachos, cada um com um par de pequenos chifres sobre a fronte e portando expressões de soberba serenidade, conscientes de que ninguém se atreveria a passar por eles sem ordem ou convite.

A criança andrógina alada ergueu o olhar carmesim quando a mulher portou à sua frente.

O vestido longo em camadas de seda negra era adornado com bordados em fios de prata que formavam intrincados arabescos floreados, que subiam pela cauda e pelas mangas de punhos largos que lhe cobriam as mãos; os bordados ainda ornavam o decote generoso que deixava os ombros e colo desnudos, mostrando a constituição esbelta e forte de seu corpo.

Uma tatuagem tribal floreada se desenhava a partir do contorno dos seios e subia para o ombro esquerdo até a curva do pescoço, onde se confundia com as mechas do cabelo longuíssimo que caíam livres pelos ombros e costas, indo até quase os seus joelhos em cascata tão negra e sedosa quanto o próprio tecido da sua veste.

Apesar do porte altivo e dos movimentos leves e felinos, havia doçura e serenidade nos olhos castanhos.

O rosto jovem e bem esculpido transmitia bondade e determinação.

-- O tempo tem se tornado cada vez mais curto... hoje a floresta inteira pulsou com a Força que começa a despertar. Negras, quanto mais você espera que Yashalom se mantenha na ignorância, arriscando a ela mesma e a todas nós?

-- Inocência. Ignorância, não. - A criança falou suavemente em sua voz fraca, encarando diretamente a mulher.

-- É a mesma coisa! A inocência poderá matá-la. Inocente, crédula, vulnerável! Isso já nos matou uma vez, não podemos permitir que aconteça de novo!

-- Não acontecerá. Não percebe que a protejo? Que controlo a sua Força, que lhe sussurro cautelas, que a conforto quando se desespera? Eu as protejo. É o destino que escolhi.

-- Ela está crescendo, não poderá protegê-la para sempre, Negras! Deixe-me assumir! Estou enclausurada há vinte e cinco anos! Recebi uma nova chance com esta nova existência e quero assumir o controle antes que eles acabem se matando por nada novamente!

-- Não. Você não está refletindo com a razão.

-- Ah! Negras...!

Uma espada longa e embainhada, envolta em laços de cetim púrpura, é plasmada na mão da mulher, que saca e, com a velocidade do pensamento, desfere um golpe contra a criança, que se esquiva um segundo antes, mas não rápido o suficiente, sendo atingida em uma das asas.

Hybrida - Asas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora