25.

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9 de Abril de 1998.

Gerard e eu tivemos tempo para ficar sozinhos, mas demorou. Não sei, parecia que tudo estava demorando mais naquele dia. Depois daquela confusão horrível, cada um pro seu lado e nenhuma tentativa de falar, até que eu comprei umas fichas de orelhão e liguei para sua casa. Eu soube que ele havia atendido sem trocamos nenhuma palavra. Ele trancado em casa e eu trancado numa cabine telefônica.

– Gee? – eu sussurrei.

– Quem mais seria? – ele falou, um pouco cansado. Filho da puta.

– Então, precisamos conversar.

– Foi o que você disse.

Eu estava escorado no orelhão, os cabelos bagunçados, um suéter preto por cima de uma outra camisa quente e os olhos perdidos na paisagem. Árvores! Quem se distrai olhando para elas? São só mais um traço na paisagem. Acho que queria estar morto como metade daquela floresta devia estar naquele momento. A morte vestia bem em nós todos, acho.

Foi pensando nisso que eu decidi falar, novamente, de morte primeiro:

– Eu gosto pra caralho de você.

– Eu sei. – ele disse, no mesmo tom cansado. – Mas dessa vez eu preciso falar, tudo bem?

– …okay? – permiti. Tudo bem. Era a vez dele. Que apresentasse as melhores justificativas do mundo, eu não iria perdoar.

– Transei com Bert McCracken e com um outro cara aí. Fui ativo com um e passivo com outro. Depois da nossa briga antes daquilo acontecer, eu tava vivendo à base de cocaína.

– Hm. Pode continuar.

Gerard pigarreou.

– Eu gosto bastante do nosso namoro, e acho que é uma das coisas mais lindas que eu já construí. Tenho medo de, por conta disso e de umas outras coisas, como o seu pai, a gente pare de se falar antes de dar errado.

– Mas, Gee… – deu errado, quis dizer. Mas ele me interrompeu.

–  Eu não vou negar que fui babaca comigo nos primeiros anos, e há duas semanas atrás também. É assim que eu fico quando drogado, na verdade. Mas acho que te amar me deu uma nova perspectiva e… quer saber? Eu não queria ter usado. Queria ter superado esse vício como prometi pra mim. Se bem que você também é um viciado. Não em drogas, mas é.

– Eu não…

– Você está apaixonado por mim, mas não faz muita questão de insistir nessa paixão depois desse vacilo, mas eu? Merda, eu não sei viver sem você e você sabe. Eu minto pra todo mundo sobre isso porque preciso ser o cara forte que supera obstáculos. Não sei muito bem o que será de mim, ou de nós se você me deixar, mas tenho absoluta certeza de que te amo. E me arrependo muito do meu ato estúpido.

– Cara, então…

– Ah, e eu também não gostei quando te chamei de "fraco". Sei lá, eu me considero um fracote, mas fazer ter te chamado assim não te faz tão fraco quanto eu.

– Eu sei. Mas…

– Eu não quero pouca coisa com você. Eu não quero só me drogar e foder como eu fiz com o Bert, ou ser um amigo que de vez em quando paga um boquete. É sério, eu quero olhar para trás na minha trajetória e ver você nela; mas não desse jeito. Não me importa se isso me assusta de verdade; eu já disse que te amo várias vezes. Eu te quebrei, eu sei, mas eu quero consertar. Eu queria muito que você não saísse correndo.

– Entend…

Frank. Eu preciso terminar.

Eu devia parecer uma coisinha estúpida, escorado naquela cabina, as lágrimas correndo por meu rosto e provavelmente irritando quem estava na fila pra falar, com os corpos gelados contra o ódio. Mas eu precisava daquilo. Precisava ouvir.

Gerard suspirou do outro lado da linha, e enquanto eu secava minhas lágrimas com uma mão fiz um muxoxo, o incentivando a continuar. Ouvi um soluço. Ele chorava também. Ele gostava de mim pra caralho.

Eu não sei se você já percebeu, mas eu tenho umas tendências autodestrutivas. – ele não mostrou nada, mas eu soube do que o Way falava. As drogas, os problemas com alimentação, o sexo como forma de fugir. Todos os meios dele de destruição se pareciam, e muito, com os cortes em minhas coxas: silenciosos, discretos, apenas refletindo ao próprio criador da destruição o quanto ele podia se quebrar. – Eu tenho uma bagagem comigo, Frank, e é bom você não se esquecer disso. Eu tenho muitos problemas, muitos defeitos e eu não peço que você perdoe nenhum deles, mas que apenas respeite. Caralho, sabe quantas vezes eu simplesmente pensei em morrer? Muitas vezes. Sabe quantas vezes eu quase cheguei bem perto disso? Duas.

Ele não me explicou direito sobre as tentativas em 98. Eu demorei a saber o que havia acontecido.

– Gerard, eu não…

– E eu creio que estou vivo porque a Morte é um grande vazio, e eu não tô pronto pra isso ainda. Provavelmente a pior morte é morrer para os outros, então eu só te exijo isso: não me mata, okay?

– Gee…

– Eu não tô te pedindo isso, é só o mínino que eu espero. Se você não consegue aguentar tudo isso, ao menos não me mate em você. Porque Frank, você sabe que eu te amo, mas assim não pode dar certo.

Minha raiva havia passado. Não, eu não podia aguentar. Não mesmo. Mas eu também não conseguiria simplesmente esquecer Gerard quando ele fora meu primeiro amor.

– Caralho, eu… – suspirei, secando as lágrimas com a mão livre. – eu nem sei o que dizer.

Só me beija até minha boca ficar dormente, por favor. Foi aquilo que eu disse a Gerard naquele dia que parecia ter sido há milênios atrás. Passamos por muito juntos. Mas todas as coisas foram feitas para ser destruídas, e todos os momentos têm que passar. Eu não queria que Gerard me beijasse agora. Não sabia o que queria, na verdade, só sabia o que precisava. Pus mais uma ficha (nesse dia gastei muitas) no orelhão, e solucei de forma bem audível. Aquilo quebrava nós dois, mas era certamente necessário. Gerard havia me feito de idiota. E, mesmo que drogado, ele apenas disse algo que já tinha percebido anteriormente: que eu sou fraco e patético. Não contei para ele que chorei no colo da minha mãe; que me cortei lembrando de suas falas; que passei quase toda aquela semana sem comer e querendo arrumar briga com meu pai só pra apanhar, porque a dor me acalmava e fazia eu parar de pensar nele durante os segundos que eu levava porrada.

Ele riu. Talvez ele tenha percebido a ironia que permeava aquele dia, e aquele riso triste, amargo, me fez querer morrer. Com a voz abafada, ele murmurou:

– Me desculpe por ter machucado você.

Não sei bem como saí daquela cabine sem chorar mais. Soltei o telefone e o deixei pender em sua corrente enquanto saía. Eu estava deprimido, andando naquela rua e, merda, eu era só um jovem adulto que sofreu demais. Óbvio que eu queria desesperadamente pular na frente de um dos carros que passava; até mesmo parei na calçada e refleti sobre tudo o que Gerard falara antes de decidir pular, mas fiz apenas o que devia: atravessei a rua, cabisbaixo. Porque eu não queria fazer aquilo naquela hora. Eu me sentia totalmente destruído pelo fim de meu namoro sem solução por conta de meu pai e das drogas, então sumir do mundo seria bom naquele instante? Com certeza sim.

E essa, companheiros, foi a primeira vez que me vi romanticamente quebrado.

The Radio Guy Hates The ActorOnde histórias criam vida. Descubra agora