Passei um final de semana estranho com a família, pensando muito sobre meus próximos movimentos. Meu futuro. Eu estava prestes a acabar o Ensino Médio, tinha que pensar nisso. Como pude ignorar a urgência do futuro esse tempo todo? Na madrugada de domingo para segunda peguei um ônibus para casa e quase tive uma crise de ansiedade enquanto o motorista ia na menor velocidade possível. Porra. Todas as preocupações que eu não tinha começaram a tomar conta de mim. Eu queria chorar. Ter uma expectativa de futuro nem sempre é um movimento inteligente — eu estava mais desesperado que seguro. Peguei meu celular na mochila e rezei para ter área. Até que tinha. Liguei para Jamia e ela atendeu (umas cinco, cinco e meia da manhã). Ninguém precisa acordar tão cedo estudando num colégio interno. Amo essa garota.
– Alô? – ela murmurou.
– Oi. É o Frank.
– Tinha que ser. Tudo bem, cara? Não ouço de você há um tempo.
– Verdade. Lamento por isso. Eu devia falar mais com as pessoas.
– Sim. – ela disse, sem muita delicadeza. Ficamos em silêncio um tempo, ouvindo o chiado da linha. Engoli um soluço quando minhas lágrimas começaram a correr, mas acho que ela ouviu. – Você tá bem, Frank?
Pensei em mentir, mas eu liguei 5 da manhã pra alguém.
– Não. Eu… eu vou morrer, Jamia. Eu vou morrer e não fiz nada.
– Você não tem idade pra morrer. E outra, todo mundo se sente assim. Vou dizer uma coisa: você até demorou a se sentir assim...
– Isso não ajudou.
– Iero. Você não é o primeiro a se sentir assim. Talvez seja coisa da nossa geração, querer fazer coisas. A tecnologia só melhora, o tempo passa cada vez mais rápido e a gente se sente inútil mais cedo, mas respira. Você não é inútil. Você fez alguma coisa na vida. Todo mundo já fez. E, se você acha que não fez, tem tempo de fazer ainda.
Acho que ela leu aquilo em algum lugar. Ela soava grogue. Meio acordada ou meio sóbria.
– Quando eu me sentia inútil ou impotente antes, eu me machucava. Ou bebia. Agora eu não faço mais isso e a vida parece ficar cada vez pior. Eu falei com o Bruno ontem, todo feliz, que eu finalmente ia mudar o meu futuro e me tornar quem eu precise ser, mas hoje eu acordei e eu tô pior que ontem. Eu dou aulas de inglês pra um pessoal, isso é legal. Mas e eu? Quem planeja o meu futuro? Nem eu.
– Frank, você já pensou em se matar?
Inesperado. Ou não, considerando que nós nos conhecemos no meu ponto mais baixo. Gerard falou sobre isso comigo também, em nossa última conversa. Lembro que ela também envolvia meu futuro depender de mim. Eu tinha minhas cicatrizes e meus remorsos, mas nunca quis… morrer. Talvez matar alguém, talvez deixar de existir sem aviso próprio. Mas morrer nunca me pareceu uma alternativa real, apenas um fetiche doentio. Um tema lírico. Não mais que isso.
– Não.
– Então você tem futuro.
– Você já? – eu tive que perguntar. Não podia correr o risco de perder mais um amigo assim. Merda, pensei, eu devia ter visitado ela quando estava em Jérsei. Lembrei como foi com Jonas, quão chocante foi. Quando vi seu corpo sem vida no chão pareceu um soco na boca do estômago.
Silêncio.
– Minha família não é das melhores. Eu não sou a melhor aluna. Fui expulsa de um colégio com motivos mais interessantes do que foram os seus pra ser expulso daqui, e pra completar eu amo um cara que nunca vai me corresponder. Mas ando bem ultimamente. Já foi pior. Meus pensamentos. Desde que comecei a me cuidar isso melhorou muito. Todo mundo é meio fodido e eu sei que parece coisa de criminoso maluco, mas eu garanto que daqui a uns anos todo mundo vai fazer terapia.
– Você tem um psicoterapeuta?
– Por que o choque? Antes disso você achava que eu era pobre? – ela disse, e riu. Abri um sorriso.
– Nunca. Eu lembro da sua jaqueta de couro. Dá pra alimentar cinco famílias com aquilo.
– Alimentou o meu ego pelo tempo que durou, então foi dinheiro bem gasto. Mas, falando sério agora: tem dias bons e ruins. Você começou a se preocupar com o futuro agora, e isso é grande. Mas não finja que isso é coisa mirabolante; o futuro é resultado do presente. O que você pode fazer hoje pra mudar o seu amanhã? As suas ações de antes resultaram no seu presente, certo? É muito simples.
– Não é simples quando você tem consciência do tempo passando.
– O que você falou com o Bruno que ia fazer hoje?
Confessar que quero passar o resto da minha vida com Gerard Way.
– Resolver umas coisas. Nada demais.
– Pois faça isso hoje. Se você se arrepender é aprendizado. Se der certo, você mudou seu futuro pra melhor. Viu? Simples.
– Eu te amo, garota. – sussurrei. Eu estava mais calmo. Amém. O futuro ainda pesava nos meus ombros, mas parecia suportável carregar.
– Também te amo, tchau.
– Ei! – quase falei algo, mas ela desligou. Então já era tarde o suficiente pra levantar da cama. Legal. Dormi pelo resto da viagem, e assim que cheguei em casa dormi novamente. Às duas da tarde, mais ou menos, eu fui explicar a uma haitiana como tudo era de Adão, e como eu não podia mais ignorar esse fato.
•••
Eu pedalei até o colégio, sem arma ou defesas. Jesus acenou pra mim na entrada, eu ignorei. Eram umas cinco da tarde e eu tinha acabado de sair da casa de Amélie. Precisava falar enquanto estava com o sentimento mal desenvolvido; se eu parasse pra pensar nunca ia dizer nada.
Gerard ainda estava ali. Só precisava o encontrar. Perguntei a alguns alunos desconhecidos do turno da tarde. Nada. Adolescentes inúteis — mas, por ordem de sorte ou destino, eu esbarrei com ele num corredor. Simples e clichê, mas aconteceu.
– Desculpe, eu… – Gerard começou, até olhar pra mim. Ele levantou as sobrancelhas, subitamente atento. – Não te vi passar.
– Eu lembro de ter pensado um dia ser fácil viver sem você. E o pior é que não tem muito tempo que eu pensei isso. – eu ri sem graça. – Até que eu me envolvi com um outro alguém e percebi que eu ainda tenho a sua camiseta do Black Flag.
Gerard me olhou diferente. Ali, eu soube que ele lembrou da primeira vez que se comportou como um ser sentimental perto de mim. A gente não podia tentar de novo, não daquele jeito. Mas agora as coisas estavam diferentes. Eu estava diferente.
Eu estava pronto.
– A camiseta é sua. – ele deu de ombros.
– É nossa. Eu pensei muito no futuro desde a nossa última conversa, e eu não retiro uma palavra do que eu disse antes, mas as circunstâncias agora são outras e eu mudei também. Logo minha estadia nesse colégio acaba e eu pretendo me tornar professor de inglês. Eu pretendo fazer a diferença, tanto em mim quanto para quem precisar. Eu posso fazer isso sozinho, e seria bem diferente, mas eu não quero. Gerard, eu não quero fazer isso com mais ninguém.
– É? E daqui a duas semanas, quando você reavaliar sua vida, como eu vou saber se você não vai me dispensar de novo? – ele murmurou, quase raivoso. Falou baixo só porque estávamos no colégio, se não tenho certeza que ele gritaria.
Mas ele tinha um ponto. Eu fui um merda, voltei, dispensei, daí de novo. Uma hora cansa.
– Você não é minha bola de pingue pongue. Desculpe. Você tá certo. Mas eu falo sério. Você tem algo que me pertence e esse é o único jeito de eu me apropriar disso novamente.
– Eu estou ocupado agora.
– Falamos depois. Este – rabisquei no primeiro papel da pilha que ele carregava – é o meu endereço. Passe lá ainda hoje, a qualquer hora. Não pretendo falar de saúde mental ou fazer sexo. Não hoje. Eu quero ter um futuro com você. Sério.
Eu fui embora. Quase corri, mas fingi que meu coração não batia acelerado enquanto andava pelo corredor. Se der certo, eu mudei meu futuro pra melhor.
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The Radio Guy Hates The Actor
FanficTinha esse garoto que estudava no colégio católico que o meu, o Gerard Way. E eu não gostava dele. Até aí comum, eu não gosto de muita gente. Mas aconteceu uma coisa. E essa coisa gerou muitas outras coisas diferentes que explicam por que acontece o...