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Gerard foi a minha casa reclamando. Fomos de ônibus, porque mamãe odeia motocicletas, e eu paguei nossas passagens com meu primeiro salário — eu fora efetivado como office boy num escritório que gerenciava compra e venda de ações tecnológicas. Eu pessoalmente não poderia me importar menos com computadores domésticos. O jantar foi tranquilo, ou o esperado para uma entrevista meticulosa sobre a vida, precedentes e planos futuros de Gerard Way. Sentamos na frente um do outro, então ficamos de mãos dadas durante boa parte da refeição. Mamãe e Bruno prepararam comida sem carne, mas meu irmão tinha um bife em seu prato. Ele perguntou muitas coisas envolvendo o salário não existente de um estagiário e as implicações negativas que morar junto com outro homem poderiam causar no prédio durante uns minutos. Bruno evitou a a palavra "homossexual", mas ficou mais que subentendido. E, para todas, Gerard respondeu que não ligava muito. Minha mãe teve apenas duas perguntas: se ele ouvia a mesma música estranha que eu ouvia e se ele pretendia ficar comigo para sempre ou só até o fim da faculdade. Ele apertou minha mão como resposta à segunda e riu da primeira. Não, ele não ouvia. Era uma coisa positiva, na verdade, que ele ouvisse mais do que hardcore punk e nem ouvisse emocore. Sinto que tenho um gosto musical meio óbvio e Gerard é mais eclético. Minha mãe deu de ombros quando eu complementei a resposta dele, dizendo que assim ao menos alguém ouvia boa música.

Minha família, surpreendentemente, gostou de Gerard após sondar o cara. Eu fiquei feliz com isso. E, depois do jantar de sucesso, subi pro meu quarto.

A janela ainda emperrava e demorei um pouco a abrí-la. Passei a mão despreocupadamente sobre meu violão em cima do guarda roupas. Olhei meu reflexo no espelho quebrado e sentei na cama para alcançar o rádio de pilha, mas senti papelão e não plástico em minha mão. Peguei a caixa.

Pensamento algum me passou naquele momento. Eu sentia minha respiração, apenas. Estava em transe, como preso em dias naquele quarto após jantares desastrosos. Não podia chorar, não podia falar. Abri a caixa com cuidado,  como ministro estendendo a óstia ao padre. Olhei a camiseta branca amarrotada e manchada de sangue por anos, as lâminas dispostas sobre o pano. Uma ainda tinha sangue seco grudado nela. Respirei fundo antes de pegar uma das lâminas entre os dedos. Era pior que cigarro. Eu não sinto vontade de fumar só de olhar pra um cigarro. Eu ainda teria as marcas para sempre mesmo se não fizesse novas. Então não faria diferença. Era instintivo.

– Frank? – ouvi, e me assustei. Fiz como faria quando era criança e fechei a caixa rapidamente. Guardei tudo debaixo da cama e alcancei o rádio de pilha.

Não colou. Gerard me olhava preocupado, parado na porta.

– Gee. – respondi. Se para algo, o susto serviu para me tirar daquele estado de transe.

Ele queria perguntar o que eu estava fazendo. Tenho certeza disso. E provavelmente iria fazer como meu pai e dizer que tenho a vida boa demais para recorrer a esse tipo de estratégia baixa e, por certo, ele teria razão. Minha vida é finalmente boa. Mas esse tipo de coisa não precisa fazer sentido, então ouvir de alguém sempre seria um saco. 

Ele entrou no quarto e fechou a porta. Olhou para mim, sério,  e ajoelhou  diante da cama. Demorei a entender, porque de imediato pensei em sexo, mas Gerard segurou minhas mãos ao invés de baixar minhas calças. Ele beijou meus braços de forma significativa, olhos fechados e ar de devoção. Ele plantou beijos sobre as cicatrizes e nas pontas dos meus dedos, e ali eu quis chorar. Aquilo era mais e ao mesmo tempo exatamente o que eu sempre quis. Eu esperaria uma vida inteira ou mais por aquilo sem hesitar. É indescritível. É mais que felicidade, e menos ingênuo que euforia. Fazia meu coração acelerar e minha barriga doer de um jeito que mesmo Gerard não fazia antes. As preocupações de minha mãe não tinham fundamento. Eu tinha a certeza fisiológica de que passaríamos a vida toda juntos.

Era a primeira vez que Gerard olhava para as marcas. E, para mim, era a primeira vez que alguém não me olhava com pena por isso. Antes, ele parecia me querer apesar daquilo, como alguns clientes faziam. Naquele momento era diferente. Eu estava ali, e alguém me via. Eu queria falar. Sentir sem falar me faria explodir.

– Eu – comecei, mas fui interrompido com um suave shhh. Explodir era a única alternativa.

  Quando terminou, ele abraçou minha cintura e encostou a cabeça em minha perna, sem dizer uma palavra. Não precisava. Eu sabia o que ele queria dizer. Ficamos assim por uns bons minutos que ainda pareceram pouco. Tomei as mãos de Gerard nas minhas, eventualmente, e o beijei. Ele subiu na cama comigo, e beijou meu pescoço de modo já esperado, relembrando uma promessa há tanto feita. Encostei sua cabeça em meu travesseiro e o beijei até minha boca ficar dormente. Ele tirou minha camiseta e eu me vi na necessidade de tirar a sua também. Ele tirou uma camisinha do bolso de sua calça e, como pediu, eu dei. Ele me prendeu entre seus braços quando comecei, e ofegou ante à intensidade daquilo. E sussurrou:

Eu te amarei para sempre.

Eu eventualmente disse de volta. Não naquela noite. Nesse dia eu me movi dentro dele como resposta, e fizemos amor.

The Radio Guy Hates The ActorOnde histórias criam vida. Descubra agora