31. Outliving Way

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Eu dormi durante toda a aula de Matemática e não me senti muito disposto a levantar a cabeça para a aula de Artes, mesmo que já estivesse acordado. Gerard e eu havíamos conversado há um mês, e eu disse a ele o que eu queria dizer. Desde então eu estava deixando meu cavanhaque crescer - há um tempo bolei um sistema que consiste em deixar o cavanhaque crescer durante os dias que eu não fizer uma refeição, porque olhar no espelho me faz lembrar que eu preciso me alimentar -, porque a conversa fora dura. Por faltar pouco para a formatura, eu não precisaria aturar aquela situação durante muito tempo, e eu já entregava currículos para quando tudo aquilo terminasse.

Falando em oportunidades de emprego, eu realmente passei a ensinar o alfabeto ao Corey. Ele ficava muito satisfeito com cada pequeno sinal de progresso, e deu a ideia de montarmos uma turma de alfabetização para o pessoal que vivia na mesma situação que a gente. Conversamos com muitos garotos e garotas de programa da região, de todas as idades e raças, e a maioria não tinha o primeiro grau completo. Uns tinham, e combinamos de montar um coletivo para ensinar os que não sabiam muita coisa. Semana passada tivemos uma reunião inicial, para ajustar horários e demandas dos alunos e instrutores, e essa semana tínhamos outra reunião. Com aquilo - o fato de estar ajudando o mundo de alguma forma, de ter um propósito - eu vinha bebendo cada vez menos.

Em quatro semanas eu fiz muito progresso, e tanto por isso quanto pela alimentação precária, eu vivia com sono. Algumas aulas eu não podia dormir, como Inglês ou Química, mas na maioria eu estava ali por estar ou só dormia. Faltava pouca nota pra me aprovarem nas duas matérias que ainda me faltava nota, que eram Matemática e Geografia, então eu não me importava muito. Mohawk falava alguma coisa, mas eu não prestava atenção alguma. Eram só grunhidos anglófonos na minha cabeça.

- Ei, Italiano. - disse alguém. Levantei a cabeça. Era uma das meninas da sala. Susie. Ela me entregou um papel em branco. - Material de hoje.

Olhei o quadro. Havia um retrato de uma moça que me pareceu meio medieval, e ao lado do retrato estava Gerard, falando sobre questões de contraste entre cores (havíamos saído de luz e sombra) enquanto gesticulava animadamente. Ele é lindo. Mas eu não sentia mais aquela urgência, aquele desespero de tomá,-lo em meus braços ali mesmo. Eu não mais bebia e transava para fugir das coisas que me faziam lembrar Gerard. Foi difícil conseguir e era engraçado perceber que eu não precisava de Gerard Way para viver.

Em quatro semanas eu fiz muito progresso.

•••

Eu até tomei banho. Cortei as unhas, escovei os dentes, esfoliei os pés, fiz a barba. Isso depois de sair do estúdio de tatuagem (a mulher que me bate paga muito bem!) com uma arte nova: um escorpião. Eu havia dito ao tatuador, Kai, que queria uma tatuagem realmente legal no pescoço desde que me entendia por gente. Folheei o catálogo, pensamos juntos, até que sugeri o escorpião.

- Você não faz a mínima do que significa um escorpião no pescoço, não é? - ele riu, e concordou em me tatuar. Eu não perguntei o que significava. Não queria saber. Kai me dei um pano para morder enquanto ele me tatuasse, o que eu achei um exagero até ele encostar a agulha na minha pele.

Eu nunca havia sentido tanta dor na vida. Ardia e pulsava, mas por algum motivo saber que aquela dor tinha um propósito me acalmava. Eu finalmente estava fazendo uma tatuagem bacana no pescoço. Kai cobriu com a agulha uma cicatriz que eu tinha ali por queimadura de cigarro, e aquela dor lancinante foi maravilhosa. Uma vitória de Frank sobre Frank. Quando terminamos eu quis chorar, mas não de dor.

Fui para casa satisfeito, tão satisfeito que até tomei banho, cortei as unhas, escovei os dentes, esfoliei os pés e fiz a barba para me encontrar com Gerard. Precisávamos falar um com o outro de verdade, tanto que ele me deu seu endereço. Não era conversa para se ter em mesa de bar. Fui de metrô, porque se fosse pedalando iria suar e eu tinha até tomado banho. Manhattan. Top 5 piores lugares de Nova Iorque, no meu ranking. Mas tudo bem. O endereço dizia Lower Manhattan, o que só piorava a situação. Centro comercial. Ugh. Ali eu entendi por que Gerard não ligava de passar tempo do outro lado da cidade.

The Radio Guy Hates The ActorOnde histórias criam vida. Descubra agora