O nosso beijo acabou porque o sinal estridente indicando o fim do intervalo soou. Nos afastamos como se estivéssemos contagiosos, de forma rápida e impessoal. Eu ainda olhei seus olhos depois, mas ele parecia… arrependido? Não sei. Eu também estava arrependido. Arrependido de ter correspondido, arrependido de ter sido otário. Gerard pegou sua bolsa e saiu da sala quando a turma começou a entrar.
Meu lápis tinha caído no chão com aquele beijo, e eu me abaixei para pegar. Rasguei a folha com o Gerard discóbolo. E passei o dia inteiro muito confuso.
Porque, bem, eu sentia algo, e ele sabia. Óbvio. Eu o amo. Mas com certeza as coisas continuariam estranhas se a gente não conversasse sobre isso, e eu não sabia se ele se sentia como eu — se passou um ano e pouco, Jesus! —, e ele me beijou tão de repente, ele me pegou totalmente desprotegido. Logo eu teria que ser mais consistente e não derreter com qualquer coisa vinda dele. Pensei comigo mesmo que na outra semana seria diferente; eu o puxaria para conversar depois da aula de Artes e teríamos que falar algo. Eu sou uma bagunça completa, mas estava tentando me tornar uma bagunça minimamente organizada naquele tempo.
É claro que eu não me organizei na outra semana. Cheguei pra aula de Artes um pouco apreensivo, apesar do dia anterior ter sido ótimo (eu havia me encontrado com a mulher que me batia, e ela pagava muito bem — ela dizia que era o adicional de periculosidade). A turma parecia ter gostado de ter aulas e ainda mais de Gerard, por isso quando ele entrou na sala os murmúrios foram de aprovação. Ele sorriu, nos desejou bom dia e explicou como executar o que Mohawk já havia deixado no quadro. Mais claro e escuro, mas com esculturas barrocas. Ele pediu para prestarmos muita atenção porque aquilo era difícil.
– …E se eu tiver errado em alguma concepção minha, por favor me corrijam. Eu não gosto de achar algo errado acerca das pessoas. – ele concluiu, olhando para mim. Mas que porra de concepção errada ele teria? Antes, que porra de concepção de mim ele tinha?
Odeio enigmas, interrupções e atores. A lista só aumenta.
Ele nos deixou começar a desenhar um anjo gordinho colado no quadro e fez como na outra semana, andando pelas carteiras, dando dicas, elogiando. Eu até tentei reproduzir a escultura, mas me lembrei das fotos do Gerard bebê e fiquei olhando pro nada pensando nelas durante uns 15 minutos. Eu gostava da família Way. Eles eram simpáticos. Depois que percebi o rumo de minhas divagações, comecei o desenho com rabiscos firmes, formando ângulos, deixando tudo meio quadrado e estranho. Ficou até bom. Só não ficou parecendo um anjo de cara redonda e olhar sonso.
– Frank, tudo bem por aí? – ele disse, impessoal, profissional.
– Não sei, Gerard. Olha. – virei a folha. Ele fez hum com a boca e acenou com a cabeça.
– Está bom. Acho que você precisa trabalhar mais o fundo da imagem, pra dar a ideia do contraste e da profundidade também. Por exemplo; – ele pegou meu lápis e desenhou uma mão no canto da minha folha. – se eu desenho uma mão, ela ainda parece o desenho de uma mão. Se eu escureço atrás, e ponho sombras nessa mão, – disse, e foi fazendo. O filho da puta desenha muito bem. – fica cada vez mais parecendo uma mão, e não o desenho de uma mão.
– Certo.
– Frank. – ele disse, e eu novamente olhei. Não nos beijamos, no entanto; só ficamos nos olhando durante um tempinho, fundo nos olhos um do outro. Deve ter durado uns poucos segundos, pois logo ouvi uma voz chamar Gerard, e lá se foi ele atender.
Tinha escutado por alto naquela semana que uma das garotas da turma estava a fim de Gerard, e me ri bastante disso. A garota, que era bonita, ficou ofendida e me perguntou se eu sabia de algo que o impedisse de comer ela. Eu não disse nada. Não havia nada que eu soubesse. Mas provavelmente ele não iria comê-la.
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The Radio Guy Hates The Actor
FanficTinha esse garoto que estudava no colégio católico que o meu, o Gerard Way. E eu não gostava dele. Até aí comum, eu não gosto de muita gente. Mas aconteceu uma coisa. E essa coisa gerou muitas outras coisas diferentes que explicam por que acontece o...