23. Motherfucker Mohawk (and Motherfucker Destiny) strikes once

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A noite foi, com certeza, mais tranquila que as outras. E melhor que pela manhã. As aulas foram todas iguais, eu rabisquei um canto de folha com alguns acordes e fingi estar olhando concentrado para o quadro. A comida servida no colégio era horrorosa, mas a cantina paga oferecia algo um pouquinho mais palatável. Comprei um hambúrguer (eu tinha voltado a comer carne há dois meses) e sentei numa mesa, por ora vazia.

Se eu reprovasse seria uma vergonha. Mas eu não conseguia me concentrar nas aulas naquele lugar. Era cansativo viver a vida de puta, estar longe de família e amigos, eu tava totalmente sozinho. Não havia nenhum tipo de incentivo. Céus, eu sentia falta de ser o garoto do rádio. Depois de comer, fui para casa e pude fumar maconha, me masturbar e depois dormir. Com certeza era mais confortável apenas dormir e não foder e depois dormir.

– Vai ficar tudo bem. – sussurrei para mim mesmo. Quando eu terminasse o médio as coisas voltariam a dar certo. Era só uma questão de tempo. Dormi um sono sem sonhos e não tão revigorante assim.

•••

Seis da manhã o rádio relógio começa a falar alguma coisa. Sobre o trânsito. Posso ouvir sirenes ao fundo do que o locutor fala: Trânsito congestionado ao redor do WTC, parece que teremos um longo dia de trabalho, Nova Iorque. Eu queria trabalhar no WTC. Na verdade, eu queria trabalhar com qualquer coisa que me desse uma grana razoável. Sentado na cama, peguei a garrafa de vodca que sempre ficava embaixo dela e bebi um grande gole. Eu ainda não tinha me acostumado com o gosto de acetona invadindo minha mucosa bucal, mas já não achava tão repugnante assim.

– Bom dia, Nova Iorque! – gritei, apenas para conferir se estava vivo. Estava. Levantei da cama, procurei umas roupas dentro da cômoda e separei uma camisa, uma camiseta e calças para ir para o colégio. Enquanto fazia esse movimento, algo pequeno fez um barulho miúdo e metálico no chão de taco, e eu olhei para baixo sabendo perfeitamente o que seria.

Minha navalha. Não a que ficava no meu bolso, e sim a navalha. Encarei-a durante cinco segundos antes de me abaixar, pegá-la e, sem hesitar, pôr na cômoda novamente. Nos meus pulsos não, vagabunda.

Me senti muito forte naquela manhã, enquanto tomava banho e cantava Michael Jackson. Saí do banheiro revigorado, pronto para começar um novo dia e de barriga quente por conta da vodca. Comi um pão, tomei um copo de iogurte e saí com um sorrisinho idiota no rosto. Pedalei até a Martin Luther King Jr. e cheguei no horário certo pela primeira vez no ano.

Sentei numa carteira ao fundo da sala e pouco depois o professor de Artes entrou, coçando o bigode e nem olhando pra mim. Tinha quase certeza de que aquele velho usava cocaína. Sr. Mohawk (sim, como o corte de cabelo) era natural de Jersey e dava aula de Artes para nós porque, aparentemente, aquele turma não teve aula dessa matéria no segundo ano. Além disso, não tínhamos aula de Filosofia e ele ocupava nossos tempos vagos.

Eu preferia sair cedo a ter aquelas aulas.

Com o passar dos minutos, os outros alunos foram entrando na sala. Uns riram de mim, outros me ignoraram. Muitos apenas ignoraram também o professor e continuaram falando como se ninguém estivesse presente. O Sr. Mohawk deu dois pigarros, e umas dez pessoa da sala olharam para ele. Ele pigarreou novamente, e o povo ficou em silêncio. Era o seu jeito de chamar atenção.

– Bom dia.

Bom dia. – disseram alguns da turma. Uns apenas fizeram "hum" com a boca.

– Bem, vocês já devem estar cansados de ler, escrever e ouvir sobre Arte sem nunca produzir nada. É por isso que hoje eu trouxe esses papéis – ele dizia, enquanto os distribuía pelas carteiras. Era um papel grosso, sem pauta, firme. Parecia coisa de artista. –, e pedi ao querido reitor da Juillard que me disponibilizasse um estagiário. Hoje teremos um garoto, jovem como vocês e prodígio artístico, também como vocês, para nos ajudar a ter aula de Artes.

A gente sempre soube que o Mohawk ficava puto por não poder dar aula. Ele queria que pintássemos, esculpíssemos, e o colégio não deixava. Aparentemente aquilo havia mudado. Quis saber quem seria esses estagiário.

– Ele está um pouco atrasado, mas logo vocês conhecerão o garoto. Ele mora bem longe daqui. – murmurou, enquanto rabiscava umas instruções no quadro.

TURMA 2H03
Pegar lápis e borracha;
Analisar material no caderno sobre esculturas gregas e claro e escuro;
Prestar atenção na aula
NÃO DOBRAR A FOLHA!!!!

Provavelmente aquele estagiário já tinha desistido de ir pra área perigosa de NY. Se cursava Artes, com certeza era um maconheiro babaca e rico cujos pais têm dinheiro pra bancar sua formação. Quase 100% de certeza que esse estagiário é um vagabundo branco de dreadlocks.

Ouvimos batidas na porta. Mohawk disse um "entre, entre" e colou uma figura no quadro. Eu rabiscava o caderno aberto na matéria de Artes, desenhando uma jovem sangrando. Ela parecia a Virgem Maria. E sangrava pelos olhos e pela boca enquanto mãos agarravam seus peitos. O desenho até que estava bom.

– Oi. – eu ouvi uma voz vagamente conhecida dizer. Não levantei o olhar; não podia estragar o desenho. Houveram murmúrios acerca do dono da voz; uma garota escandalosa da turma disse que ele é muito bonito. – Meu nome é Gerard Way, eu sou o estagiário do Sr. Mohawk. Acho que… que vai ser muito bom trabalhar com vocês.

Levantei a cabeça com puro choque. Não achei que tivesse ouvido direito, mas então eu vi.

E ele me viu.

Silêncio.

Quão filho da puta o Destino podia ser em um ano?

The Radio Guy Hates The ActorOnde histórias criam vida. Descubra agora