— Atenção, pessoal!
A voz do pastor Sergio sobressaiu ao nosso falatório animado. Estávamos reunidos no auditório da igreja para a última reunião antes de iniciar a segunda parte do seminário de evangelismo. Seis meses de teoria haviam se passado e agora, finalmente, estávamos prontos para a prática.
Os vinte alunos foram divididos em grupos de três integrantes, para que pudéssemos começar a evangelizar pela cidade. Não sabíamos ainda qual seria o nosso território, mas eu, Kimberly e Noah, meus melhores amigos no mundo, estávamos eufóricos.
Em meu íntimo, eu sentia que para onde é que fossemos enviados, não seria fácil. Mesmo diante dos dilemas que se levantavam a cada minuto em meu âmago, eu tinha uma sensação que alguém naquele lugar precisava de mim.
— Eric entregará os envelopes contendo todas as informações necessárias a cada grupo.
O filho do pastor Sergio se levantou e correu até o pai.
— Como pode ser tão lindo assim? — Kim sussurrou se abanando com um pedaço de papel dobrado, observando-o.
Noah ao nosso lado revirou os olhos.
— Perdoa, Senhor, porque ela não sabe o que fala — implicou.
— Perdoar por quê? — Kim olhou para Noah furiosa, me fazendo rir. — Ele é um servo de Deus, dedicado na casa do Senhor. Não é, Amber? Me defende aqui.
— Claro! — concordei com minha amiga, avistando Eric a alguns passos de nós.
— Meninas — ele nos cumprimentou com seu sorriso de garoto, estendendo o nosso envelope.
— Que belo cristão! — Noah retrucou ao ser ignorado pelo rapaz que já se afastava sem ao menos olhar em sua direção.
— Vamos abrir isso logo, mal posso esperar para ver para onde vamos. — Kimberley ignorou o comentário de Noah, tomando o envelope das minhas mãos.
— Morro da Luz... — lemos em uníssono.
Meu coração se agitou.
Então era lá que Deus me queria?
O morro da Luz era conhecido pelos intensos conflitos com a polícia e seu rival, Morro das Trevas. Centenas de inocentes ficavam entre o fogo cruzado toda vez que decidiam se enfrentar. Na última semana havia noticiado que uma criança tinha perdido a vida por conta de um desses confrontos.
— Não acredito! — Kim choramingou. — Vamos para um dos lugares mais perigoso da cidade!
— Que Deus nos proteja. — Noah orou.
— Deus nos quer lá — as palavras saíram com tanta convicção dos meus lábios, que até eu me assustei. — Ele há de nos guardar.
Durante aquela noite, mal consegui dormir. Nas poucas horas em que repousei, sonhei:
Eu estava em uma longa estrada deserta. Eu caminhava exausta e quando estava preste a desistir da jornada, avistava um homem ao longe. Eu não conseguia ver o rosto dele, mas ele era forte, alto e de presença imponente. Travei quando ele começou a andar em minha direção. Minha mente me mandava fugir, mas meu coração dizia que eu deveria ficar.
Na batalha entre a razão e a emoção, o coração falou mais forte e eu fiquei. Mesmo o homem frente a frente comigo, eu não conseguia ver o seu rosto que era constantemente coberto por uma névoa escura.
Ele tomou a minha mão e a levou aos lábios, deixando um beijo. Depois, me guiou por onde ele tinha vindo. Eu sentia uma urgência, minha mente gritava dizendo que era perigoso ir com ele, mas, lá no fundo, uma força me impulsionava a segui-lo.
— Amber! — acordei com minha irmã Hanna me sacolejando. — Não está ouvindo o despertador? — Sentei na cama com o coração acelerado e a respiração ofegante. — Credo, até parece que acabou de ver um fantasma.
— Eu estava sonhando. Parecia tão real — falei com a voz entrecortada.
Hanna franziu a testa e cruzou os braços, me encarando.
— Quer falar sobre isso?
Contei a ela sobre o sonho. Hanna me ouviu em silêncio e mesmo parecendo não gostar muito do que ouvia, não me interrompeu até que eu terminasse.
— O que você acha que é? — perguntei quando ela continuou quieta.
— Para mim, parece um alerta.
— Alerta de quê?
— Não sei ao certo. Só tome cuidado.
Hanna tinha uma expressão indecifrável e eu odiava quando ela fazia isso. Era difícil saber o que estava pensando.
Ela pegou sua bolsa com os livros da faculdade e antes de sair pela porta do quarto, se virou para mim outra vez.
— Deus abençoe vocês no evangelismo.
— Obrigada.
— É sério, Amber, tome cuidado.
Dessa vez, sua expressão era de preocupação genuína.
— Vou tomar, não se preocupe.
Três horas mais tarde, eu, Kimberly e Noah entramos no Morro da Luz.
O lugar era uma verdadeira desordem. As casas eram praticamente construídas uma sobre as outras, separadas por becos estreitos e escadarias que levavam até o topo – a sede do crime. Tínhamos sido orientados pelo pastor Sergio a nunca irmos até lá.
— Vocês estão sentindo isso? — Noah olhou ao redor.
— O mal cheiro do esgoto? — Kim tampou o nariz prestes a vomitar.
— Não. — Ele deu um passo para frente. — A atmosfera pesada.
Um grupo de moradores passou por nós, encarando-nos como se tivéssemos saído de um universo paralelo.
— Acho melhor irmos andando. Não deve ser seguro ficar parado aqui — falei, sentindo exatamente o que Noah sentia.
Demos alguns passos, adentrando de fato na comunidade. Um grupo de motoqueiros surgiu de um dos becos e Kimberley pulou de susto.
As seis motos nos cercaram. Homens com tatuagens assustadoras e com armas em punho desembarcaram e nos encararam, pareciam estar esperando algo ou alguém.
— Somos os missionários. — Noah se adiantou, pondo-se em frente de mim e Kim. — Temos autorização para o evangelismo.
— Eu sei quem são vocês.
De trás de um dos brutamontes, surgiu um homem. Diferente dos outros, ele não tinha tatuagens aparentes. Usava uma regata branca, um boné preto virado para trás e um revólver na cintura, preso ao cós da calça jeans.
Ele encarou Noah e depois o contornou, observando a mim e Kimberley.
— Você é o Noah, essa é Kimberley e você... — ele me encarou tão profundamente que as forças das minhas pernas se esvaíram —, você deve ser a Amber.
Notando meu estado de petrificação, ele se aproximou e se inclinou. Ele era alto e sua presença me sufocou. Engoli em seco, totalmente sem reação.
— Eu não mordo, Amber — sussurrou com um sorriso sarcástico. Afastou-se o suficiente para me olhar nos olhos. — A não ser que você queira.
Minhas faces queimaram e os olhos dele brilharam em divertimento. Ele finalmente se distanciou, porém, sem abandonar o sorriso presunçoso.
— Bem-vindos ao Morro da Luz. — Montou na garupa de um dos capangas. — A propósito, gatinha, eu sou o Céu. — Piscou para mim, e desapareceram acelerando e sumindo pelo beco de onde tinham saído.
V.E.
***
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Beijos e Feliz Pascoa a todos!
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O dono do morro da Luz e a missionária cristã
HumorATENÇÃO: o livro é humor pastelão, uma sátira que brinca com os livros com essa temática, mas com uma mensagem importante no fim - bem diferente do que vocês estão acostumados a ler por aí! Tudo foi cuidadosamente pensado para fazer zoeira! Das mesm...