Capítulo 23

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Saí do carro e dei alguns passos lentos para longe do veículo que ainda permanecia parado no estacionamento da igreja.

Eu podia sentir que James ainda me observava à medida que me afastava. Meu coração estava apertado. Eu não podia desistir tão fácil assim! Céu não podia me impedir de prosseguir com minha missão por um mero capricho.

Eu entendia que seria difícil estarmos no mesmo ambiente, mas o morro era grande o suficiente para não precisarmos nos ver todos os dias.

Fechei meu punho e com um ímpeto de coragem, me virei e marchei de volta para o carro. Abri a porta e entrei de supetão.

— Escuta aqui, James. Eu não vou abandonar a minha missão. Nem você e nem ninguém pode me impedir de voltar ao morro da luz.

Céu ergueu o cenho e piscou algumas vezes surpreso com o meu tom imperativo.

— Eu posso sim — disse ele após recuperar-se.

— Você não manda em mim!

— Mas eu mando no morro e lá você não entra mais — rebateu, elevando a voz. — Nem a polícia entra lá se eu não der permissão, o que dirá de você! Eu te proíbo e ponto final.

Trinquei os dentes de tal forma, que meu maxilar doeu com a intensidade do aperto. Ele não tinha o direito de fazer aquilo comigo. Não depois de tanta luta para conquistar os moradores e conseguir uma certa interação amistosa com eles.

— James... — respirei lentamente, procurando falar calmamente.

— Amber — ele me interrompeu —, eu me conheço o suficiente para saber que isso não vai dar certo. Definitivamente não podemos mais nos ver. — Seus olhos pareceram suplicantes e eu me ative a eles. — Digamos que auto-controle não é o meu forte.

— A gente pode manter distância, mas por favor, não me impeça de fazer o que eu amo. Aquilo que fui chamada para fazer.

— Eu sinto muito. Não dá.

Recostei no bando do carro e tampei meu rosto com as mãos. As lágrimas ameaçavam vir à tona a qualquer momento e eu me sentia trêmula.

— Por que você fez isso comigo? — indaguei chorosa. James não respondeu, então o encarei outra vez. — Você sabia desde o início que erámos completamente opostos e que nada entre nós poderia dar certo um dia. Então por que me seguiu? Por que me raptou só porque queria estar comigo, por que invadiu o meu quarto, por que sempre fazia de tudo para me ter por perto?

Ele continuou calado, fitando um ponto qualquer do lado de fora do para-brisas.

— Eu lutei tanto contra esse sentimento, James. Deus sabe como lutei, mas você sempre estava lá me confundindo, sendo tão babaca e tão gentil e surpreendente ao mesmo tempo, que quando dei por mim, eu já estava em um caminho sem volta. Agora, mais do que nunca eu entendo o que Jeremias nos alerta. O coração é mesmo perverso!

— Eu sinto muito — Céu balbuciou inexpressível.

— Isso é tudo que tem a dizer?

— O que você quer que eu diga, Amber? — Como outras vezes, a raiva estava presente em seus olhos quando ele finalmente olhou para mim. — Eu sou culpado de tudo isso que você me acusou. Como eu te disse, auto-controle não é o meu forte. Eu apenas sigo os meus instintos e se você continuar indo ao morro, eles voltarão a falar mais alto. — Ele passou as mãos pelos cabelos e depois apontou para a porta. — Por favor, só saia do meu carro.

— Como quiser, poderoso chefão — ironizei saindo do veículo e batendo a porta com força.

Imediatamente o carro arrancou cantando os pneus. O observei até que virou a esquina e desapareceu. Se ele estava pensando que poderia me impedir de prosseguir com meu chamado por causa de um capricho dele, estava muito enganado.

***


Na segunda-feira, no mesmo horário que o de costume, eu, Kim e Noah subíamos os últimos degraus da escadaria de entrada do morro.

Antes de sair de casa, eu havia orado e lido a bíblia. Segundo Timóteo havia me dado a resposta que eu precisava quando me deparei com o versículo sete do primeiro capítulo: "Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio".

Eu não iria me acovardar diante da imposição do dono do morro. Eu continuaria cumprindo o meu chamado e faria das tripas o coração, para manter distância dele.

— Aonde a mocinha pensa que vai? — Uma voz grave soou atrás de nós.

Quando me virei, reconheci o um dos capangas do Céu, conhecido como Amendoim, acompanhado de mais dois moleques armados.

— Como? — questionei. — Somos os missionários, lembra?

— Eu não sou nenhum tapado, garota. Sei muito bem quem são vocês. — Paciência não parecia ser o forte do brutamontes a minha frente. — O rapaz e outra tem permissão para seguir, você não.

— Por que ela não pode entrar? — Noah perguntou confuso.

— Ordens do chefe.

Noah e Kim me encaram procurando respostas.

— Isso é só um mal entendido. É claro que eu posso entrar!

Comecei a andar morro a dentro, mas fui impedida por um motociclista que parou quase em cima do meu pé.

Pão retirou o capacete, parecendo surpreso em me ver ali.

— Muita coragem sua em aparecer — comentou sarcástico. — Está na cara que não conhece o Céu mesmo.

— Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui? — Inquiriu meu amigo, mais perdido do que cego em tiroteio.

Em um movimento rápido, Pão jogou o capacete para Noah, que por pouco não deixou o objeto cair no chão.

— Sobe aí. O dono do morro quer falar com você — indicou a garupa da moto, voltando a liga-la. — E você — sussurrou se inclinando em minha direção para os demais não ouvir —, volta para casa se tem amor pela sua vida.

— O que ele quer comigo?

Noah parecia travar uma batalha interna se deveria ou não aceitar o convite, não notando o recado deixado por Pão.

— Acho melhor andar logo, missionário. O Céu não está de bom humor hoje.

Relutante, Noah colocou o capacete e subiu na motocicleta.

Antes de partir, Pão olhou por cima dos ombros e piscou para Kim, que ficou vermelha como um morango maduro.

Sem muita escolha, Kim seguiu sozinha, escoltada por um dos rapazes ao lugar onde aguardaria Noah retornar.

Quando eles partiram, Amendoim voltou a me encarar, cruzando os braços em frente ao largo peitoral malhado.

Eu o encarei de volta e estufando o peito, apesar de sentir minhas pernas feito gelatina.

— Eu posso ficar aqui o dia todo, garota — disse ele sem nenhum pingo de humor.

— Que bom! — Sorri, tenho uma brilhante ideia. — Porque se eu não posso entrar aí para fazer o meu trabalho e já que você está aqui, eu posso falar tudo o que eu falaria aí dentro só para você.

Um finco se formou na testa do grandalhão e ele mudou o peso do corpo para uma das pernas.

— Você acredita no inferno, senhor Amendoim?

***

Amber ri na cara do perigo, né não?

V. E.

O dono do morro da Luz e a missionária cristãOnde histórias criam vida. Descubra agora