Capítulo 03

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Mesmo tremendo e em completo pânico com o tiroteio acontecendo a alguns metros de mim e pensando que a qualquer minuto eu seria atingida por uma bala e os céus se abririam, me levando direto pra glória, logo descobri que nada era mais apavorante do que estar diante do dono do morro, muito embora ele fosse absurdamente lindo.

Por alguns segundos fiquei encarando aquela mão cheia de anéis e o braço musculoso fechado de tatuagens diversas e não soube como reagir.

— Você está correndo perigo aqui. — Ele agaixou diante da mesa onde eu estava e me deu um sorriso. — Vai estar segura comigo, eu prometo.

Por alguma razão divina, eu decidi confiar nas palavras dele. Naquele momento eu já pensava coisas como: "Ah, que mal haveria em confiar no dono do morro mais temido da cidade?". Parecia loucura, eu sei, mas eu respirei fundo, confiei na bondade dele e segurei com firmeza a sua mão.

Céu me puxou para perto de si e riu do meu susto. Ele foi rápido em sair comigo pelos fundos do bar e logo demos de cara com uma moto daquelas que certamente custavam todo o salário de pelo menos dois anos de um trabalhador comum. Imediatamente ele sentou-se no veículo, me incentivando com um manejo de cabeça a fazer o mesmo.

— Não fique parada aí, venha logo — ele mandou de um jeito um tanto autoritário.

— De jeito algum! — contestei aquela proposta insana. — Ainda não enlouqueci!

— Você vai morrer aí, garota! — Ele tentou alcançar meu braço, mas eu me afastei. — Suba logo na droga da moto antes que nos peguem aqui!

— Não! Você pode ser o dono do morro, mas não é o meu dono e não manda em mim. Eu não vou abandonar meus amigos, tampouco vou colocar a minha índole em risco subindo nessa motoca velha com você — declarei firme, mantendo toda uma pose de inabalável que em nada mudou a expressão dele. — Agora se me der licença, eu...

Antes que eu terminasse a frase ouvi os tiros ficando mais altos para o nosso lado e soltei um grito. Céu, aproveitando meu momento de desespero, me trouxe para perto novamente, segurou meu rosto e com aqueles belos olhos me encarou com firmeza.

— Nenhuma missionária vai morrer no meu morro hoje — ele decretou. — Eu não preciso de mais um motivo para ser condenado por Deus.

Ao ouvir aquilo uma lamparina acendeu em minha cabeça e eu rapidamente me dei conta que talvez aquilo tudo tivesse um propósito. Sim! Talvez minha missão fosse ganhar a alma do Céu para que ele pudesse ir ao verdadeiro céu. Eu sei, é um trocadilho terrível, mas fazia todo sentido.

Decidida em meu plano de usar aquela oportunidade imperdível para falar do evangelho, eu atendi ao pedido dele e montei na moto.

Céu nem mesmo esperou que eu me acomodasse e deu partida acelerando o veículo em uma velocidade assustadora. Ele pilotou aquele troço, ziguezaguendo pelos becos subindo rápido, rapido o suficiente para me causar enjoos.

Mantive meus olhos fechados, enquanto orava, pedindo que Deus fosse a minha frente. Contudo pensamentos como meus pais me matando por confiar em marginal, isso é se eu não morresse em uma das curvas fechadas que o rapaz fazia sem piedade.

"Ah, Jesus, me ajude!" Eu pensava.

Quem em sã consciência, mesmo no meio de fogo cruzado, aceitaria carona de um criminoso?

Já imaginava a notícia no programa do Datena:

"URGENTE: De modo heróico, dois jovens, Noah e Kimberly, dão sua vida pela fé! Sim, que coisa incrível e admirável! Mas, espere... Há uma outra jovem, é isso mesmo, Comandante Hamilton? Sim, a irmã gêmea da Hanna da Silva, uma garota nada inteligente que morreu após subir na garupa do homem mais procurado pela polícia."

O dono do morro da Luz e a missionária cristãOnde histórias criam vida. Descubra agora