O Livro na prateleira.

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Veio caminhando pela rua aos tropeços
Dizendo a si mesma que estava tudo bem
Hoje completava três (longos) meses desde o fatídico fim
Mas estava tudo bem... ou ao menos é o que ela esperava
Abriu a porta, a fechou com o peso do corpo e foi para a cozinha

"Está tudo bem!"

Pegou um vinho na geladeira, fez carinho no gato e foi para a sala
O gato veio acompanhando meio desconfiado
Ela tirou os sapatos, sentou no sofá, bebeu o vinho e respirou fundo

"Não há nada de errado... o que poderia estar errado?"

O gato caminhou entre as pernas dela
O silêncio a abraçou lentamente
Ela olhou para frente procurando um ponto onde poderia deixar seus olhos se perderem sem que nada lhe afetasse

"Não há nada de diferente hoje, só mais um dia comum!"

Eis que ela deu de cara com a prateleira de livros da sala
Uma madeira com dois suportes em baixo (um em cada extremidade) parafusados na parede
Livros alinhados ordem crescente até o meio e decrescente até o fim.
Eis que ela botou os olhos justamente no terceiro livro da esquerda para direita

"O que você ainda está fazendo aqui?"

Era o livro favorito da outra pessoa
Ela esqueceu de levá-lo quando foi embora
Seu rosto ruborizou e ela quis voar naquela prateleira e arremessá-lo pela janela
Mas não o fez... preferiu apenas tirá-lo de lá
Aquela capa azul celeste era, de fato, a cara dela

"Deve ter sido de propósito!"

A vontade que surgiu em seu peito era de sair no tapa com sua ex e com o próprio F. Scott Fitzgerald ali no meio da sala
Ele por ter escrito "O Grande Gatsby"
Ela por ter deixado seu livro tão-precioso-favorito-pra-caralho para trás
Então fechou os olhos

"Vou ter que te devolver?
Não posso!
Não Consigo!"

Ela não iria ligar para aquela pessoa que um dia chamou de "amor"
Não por uma questão de ego, mas sim pelo medo da recaída
A tal da recaída
De repente imaginou os lábios dela ao celular respondendo um: "Minha nossa, como esqueci o meu Gatsby?"
As costas se arrepiaram e os dedos do pé se ouriçaram para frente e para trás

"O que eu faço com você?"

Ela pensou em jogá-lo no lixo, mas não conseguiria fazer isso com um livro
Considerou guardá-lo em algum lugar que ela não mexia, porém sabia que a partir daquele dia o tal lugar não sairia de sua cabeça
Por fim considerou deixá-lo justamente na gaveta do armarinho logo abaixo da prateleira

"Importante o suficiente para não ser jogado pela janela e inconveniente demais para ser deixado à vista de todos"

Jogou o livro na gaveta e fechou o mundo ao seu redor
Ela sabia que era parte do processo
Caso se desfizesse do livro ali, se sentiria culpada
Se nada fizesse faria mal a si mesma

"Não está tudo bem, mas vai ficar!"

Foi andando de costas enquanto olhava a gaveta
Virou os calcanhares, desviou do gato que a julgava com aquele olhar digno de "Ué, cadê a outra mulher que andava por essa casa contigo?" e seguiu de volta para a cozinha

Pegou a garrafa de vinho, tirou a rolha e bebeu direto sem pensar duas vezes
Estava pensando no caminho que aquele livro iria percorrer até não significar tudo que ele significava hoje.

"Vai ficar tudo bem, mas ainda vai levar um tempo!"

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