eu te contei dos meus hábitos
“eu gosto de ver pessoas recitando poesia”
você me disse que não entendia como um ser tão pequeno podia guardar tantos, mas tantos quilômetros de pele
e intensidade
dentro de uma só essência
(a gente precisa ser mais do que só uma casca, eu te disse)
eu te contei das minhas rotinas e do meu abastado querer, mas falho, de não deixá-las se prenderem ao cotidiano. te fiz entender meu ódio por cotidianos, te fiz ver como eu temia tudo o que virava monotonia. nenhuma mácula dos meus neurônios explosivos gostavam de pertencer a efemeridades.
mas você me fez efêmera
rápida e
recorrente
você quis me transformar no seu dia a dia e pela primeira vez todos meus lóbulos desejaram prematuramente ser tua rotina,
eu cobicei coabitar toda e qualquer existência contigo e ansiei por cada átomo teu como quem ambiciona por oxigênio na ausência de ar, mas lembrei desoladamente que materialmente é
impossível
te tocar
e eu quis reinventar todos os dogmas da ciência e contradizer o conceito de estarmos apenas repelindo energia. rezei para que a poesia transcendesse a física mesmo que isso se privasse de qualquer nexo. eu quis, desesperadamente, desnutrir toda a crença no universo apenas pra ter a ciência, a verdade, de que já pude ter a dádiva de encostar em qualquer vestígio teu.
“nós não podemos atravessar as muralhas da natureza por sentimentalismo humano” eu precisei sussurrar
a gente parecia partilhar do mesmo amor não recíproco pela física e pelas milhões de incógnitas que cada extremidade do universo apresenta,
e céus
eu me apaixonei por cada enigma do teu sistema solar
(eu sempre adorei te contar do meu cativo pelos astros e do meu amor hipócrita e estranho por plutão mesmo depois de ter deixado de pertencer aos que eram nove
e meu maior medo
você sabe, era esse
que você subitamente parasse de ser o astro pequeno e fundamental do meu sistema solar só porque nossa grandeza é menor a olho nu)
uma vez me contaram que amar é para os corajosos e eu protestei em apreensão. eu te disse que éramos covardes demais para compreendermos o amor e que nos abrigaríamos onde de nós nenhuma bravura é exigida. eu te supliquei por tanto. eu te pedi pra ficar e você, à beira da tua ausência de complacência, deslocou todas as vértebras do significado de permanecer.
amar é para os covardes, eu quis te dizer. amar é para os que
ainda não sabem
o que é ter coragem e
(mesmo assim)
negam-se a não arriscar
bem
desculpa a bagunça
as coisas têm tido um valor menor desde que o cheiro de outra pessoa se impregnou por aqui e,
a desordem é abastadamente tempestuosa
mas eu não me arrependo, nem por um ápice de segundo, de estar me apaixonando por você
obrigada por estar juntando meus estilhaços,
mesmo que você ainda não saiba disso.
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