Enquanto você não vem..

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Eu preciso te contar que brincar de roda gigante não é mesmo minha praia. Posso sugerir que aceito os ciclos da vida, como quem se encanta com pôr do sol, ou se sente acolhido com a passagem das margens de um rio. Mas, não foi o que aconteceu no últimos tempos e daqui pra frente vamos considerar esse mix de palavras uma confissão. Eu me olho no espelho e só consigo me ver furacão: desabando e ainda sem saber como recolher todos os destroços.

Eu te esperei por muito tempo, sabe? Te procurei em vários cantos, bares, noites e camas, às vezes quentes, às vezes frias, que no fim se resumiam a um vazio quase insuportável. Vivi, morri e renasci em histórias incrivelmente patéticas. Amor platônico, relacionamento abusivo, paixão espelhada, pseudo namoro internacional, entre outras novelas inéditas que juntas formam uma lista extensa. Todas elas carregam em comum um detalhe no enredo que é um tanto quanto particular: sempre achei que era você, ou acreditei que era melhor achar que era. Nenhum foi.

Cada caixa configurava um estado, uma simbologia e uma emoção. Detectei amor em todas, ou maquiei até parecer ser. A cada vez que um capítulo terminava, ou uma dessas caixas sumia, uma parte de mim se desfazia e se reduzia à farelos espalhados pelo caminho, se assemelhando fielmente às migalhas que eu recebia de cada um desses coadjuvantes. Que fique claro que a protagonista ainda sou eu, no máximo abro espaço lateral pra você. De tanto bater com a cara e a coragem por aí, quase se desintegrou também a minha fé de te encontrar. Olhando bem agora, não sei bem quanto tempo ela vai durar.

Porque olha só. Eu te desenhei e delineei por diversas vezes, frações e fragmentos. Decorei letras de músicas e escrevi poemas pensando nas fotos que a gente ia tirar pra postar no Instagram. De mãos dadas, na praia, na serra, naquele final de semana só de nós dois, com vinho branco e guarda-sol. Segurei firme minha ansiedade várias vezes. Bati e apanhei dela também.

Em uma dessas histórias, eu sustentei por quatro anos uma crença invencível de que tinha te encontrado. Lidei com choques espirituais, místicos, visitas do além e até sonhos que apontavam um caminho impecável até você. Ouvi dizer que você era o homem da minha vida em outro corpo. Bati o pé, esperneei, sustentei essa verdade no ventre como se carregasse uma outra vida. O final, dos mais estapafúrdios, assassinou todas as minhas expectativas e meio perdida nessa nevoa com garoa fina, eu desisti de acreditar que eu saberia quando você chegasse. Eu errei. O oráculo do destino me enganou e até o universo parece rir da minha cara agora. Essa malícia machuca o coração.

Nessa busca e nessa espera parece que de tanto bater com a cara por aí, uma parte minha se descolou e envenenou todo o resto. Eu perdi as estribeiras, as esperanças e às vezes também parece que sumiram as forças. Me agarrei nessa angústia e instalei dor em cada espaço a ser preenchido. Uma onda forte.

Eu quis você como quem depende disso pra viver. Eu te esperei como quem aguarda a vida toda pra experimentar algo que tem certeza que vai gostar. Tipo sobremesa de restaurante cinco estrelas. Tipo beijo na boca que encaixa de primeira. Uma vontade irrefreável e uma ansiedade que estraga tudo. Envenenada pelas minhas próprias mãos, eu percebi que de tanto te procurar, eu esqueci que quem mais precisava se achar, era eu.

Eu tenho me conectado cada vez mais com a astrologia. Eu sei, parece papo de quem continua tentando controlar a sua chegada, mas não é nada disso. Não é mais sobre prever o futuro, e sim, como eu aprendo na raça a lidar com o presente. Numa dessas buscas, caiu justamente o tema aceitação. Aquilo que nada tem a ver com o desapego que a galera gosta tanto de montar banca e torcida. Dizia na verdade sobre abraçar a realidade com seus pequenos acontecimentos extraordinários, sem projeções, testemunhando os dias com paciência e jogando as sementes mágicas dos desejos no vento, sem depender deles para viver. Estar no agora é entrega e não contentamento.

Parece que encontrei uma saída. Por enquanto é o que dá pra fazer. Não significa bandeira de banimento das estações da vida. Provavelmente lá dentro, ainda vou te esperar chegar. Mas, não posso mais te colocar em cada pessoa que passa por mim. Não posso te enxergar em cada caixa e nem posso pedir pra todo mundo ser o que só você pode. Talvez nem mesmo você seja. Acho que o tempo todo, eu só precisava falar de mim. E me lembrar de todo o resto. O descolamento não existe, se o eu estiver inteiro. Os ciclos se repetem até você aprender a lição. E a vida não perdoa maus alunos. Não dá pra despejar balde de amor em quem não tem ideia do que fazer com isso.

Se certeza também é uma escolha, eu devolvo essa vontade pra vida, quando ela resolver cortar para a nossa cena. Enquanto você não vem, vou cuidar dessa casa, torcendo para que quando você chegar, eu não esteja mais assim tão distraída
Nem arremessando minha consciência no desfiladeiro. Um manto de verdade e calma na mesma proporção. Comigo e com você.

Pílula da paciência. Se ainda não inventaram, deveriam saber que é disso que o mundo precisa.

E eu também.

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