Anna.

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Inicio essas linhas ainda com teu perfume em minha pele. Sequer vesti a camisa que você arrancou do meu corpo e jogou em algum canto do meu quarto. Não há como ignorar o feixe de luz que entra através das frestas da porta que você deixou entreaberta ao sair.

Notei que diariamente tem sido assim. Não somos um casal, há um bom tempo deixamos de ser. Dificilmente conversamos, e sequer sei se teu gosto musical permanece intacto, que de início foi o que mais me chamou atenção.

Somos estranhos com boas memórias compartilhadas. Vez ou outra compartilhamos uma cerveja, alguns cigarros, uma cama, e convenientemente alguns desejos.

Quando não compartilhamos de alguns minutos juntos na madrugada, meu telefone toca e sinto daqui o teu cheiro de bebida.

— Amor?

— Anna, o que você quer me ligando às 02:37 da manhã?

— Me desculpa, é que… não posso chegar assim em casa.

— Bêbada de novo, Anna?

— Detesto quando você me chama pelo nome, amor.

— Estou indo te buscar, essa é a última vez que faço isso.

— Tudo bem! Esquece… não precisa mais. Desculpa!

— Estou indo te buscar.

Desligo o telefone, mais alguns segundos de conversa e ela utilizaria psicologia reversa. Caso tenham notado, sequer perguntei onde estava, acabo de perceber ter decorado toda sua rotina, o que me faz pensar que não somos tão desconhecidos assim.

Dentro do teu corpo pequeno, de pele branca, há uma necessidade grandiosa de movimento. Sempre justificava tudo com a seguinte frase, a vida é curta. Mulher de corpo pequeno, não pequena. E de cabelos curtos, que buscava simplificar a vida tornando-se complicada aos olhos dos leigos.

Frequentava Bars to party — Caos\’s ambience, localizado na Rua Augusta; onde tocava jazz as quartas e quintas, e rock and roll as sextas e aos sábados. Com um drinque na mão, costumava dançar noite adentro. Bebendo bastante no térreo, subindo para o andar de cima que se abre após à meia-noite.

Como de costume, me esperava sempre na esquina com seus cabelos bagunçados, e seus sapatos em suas mãos. Adorava sentir a temperatura do chão em seus pés.

Anna não era fumante, porém fumava quando estava comigo. Perguntar se eu tinha cigarros era quase o seu olá. Então naquela noite, vesti minhas roupas e perdi alguns minutos procurando meu maço.

Ao chegar a encontrei da mesma maneira que havia descrito. Porém, dessa vez seus sapatos ainda estavam em seus pés. O que me fez pensar que não desejava ir embora. Dito e feito.

— Amor, você demorou. Trouxe cigarros?

— Não encontrei o maço, então tive que procurar algum lugar aberto que vendesse. O que me fez demorar.

— Tudo bem. Não quero ir embora, vamos ficar um pouco.

— Não, Anna. Entre!

— Você é muito chato! A vida é muito curta pra ficar trancado dentro daquele quarto.

— Okay, agora entre.

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