fragmentos.

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No meio do amasso parou como quem acaba de sair de um transe e disse-me: o seu beijo é tão gostoso quanto a sua intensidade.
Eu te fitei a sustentar meu corpo trêmulo e só consegui balbuciar meias-palavras fracas: não é só o beijo. Não viu nada.

— Encontro:
ao universo se propõe a trabalhar com as próprias mãos, planetas se alinham, o clima se dispõe e encontros acontecem. Eletricidade pura.

Foi assim que o seu olhar cruzou com o meu. O seu corpo deu-me Boas-vindas num misto de sedução e devoção na mesma medida. Órbitas pareciam se encaixar e o mundo de dentro finalmente combinava com o de fora. Eu, por outro lado, não sabia se mergulhava na felicidade ditada por gritos de Aleluia! ou se me deixava dominar por uma inquietação que me comia por dentro. Preferi dar-te a mão. O cenário todo já parecia mais seguro que qualquer explosão intergaláctica.

— Medo:

O estômago bagunça, enquanto a cabeça padece. O meu corpo entrou em comum acordo com o meu inconsciente, só para dizer que ambos estavam com preguiça e sem nenhum súbito desejo de conhecer um corpo novo: E se for ruim? eu perguntava para tudo e todos. Se o destino põe alguém no meu caminho só pela ousadia de tirar depois, é sinal de que eu não preciso levantar da cama. Para quê arrumar-me toda, se ele vai desarrumar tudo depois? O que tem por fora e o que eu guardo por dentro?

Eu não posso quebrar-me de novo. Eu não posso jogar-me na sua frente e impedir-te de deixar-me. Eu não posso nem mesmo lhe guardar comigo, então o que eu tô fazendo aqui? Compete ao coração entender o seu devido lugar nesse labirinto: existe para bater, bombear sangue e manter-me viva. Nada além desse ritmo. Eu não vou mais correr sem sair do lugar. Eu não vou mais dar corda para pressa só para acabar-me rasgando em lágrimas depois. Eu não vou aguentar perder você de vista.

— Paixão:

Havia uma súplica para desvendar os mistérios do seu corpo. Oceanos não se provariam distantes o suficiente para fazer-me pôr os pés no chão. Não existia interesse no fim, se a minha hora era agora. Cada pedaço valia o espaço. Cada encontro era único e cada segundo era infinito. Cada pequeno avanço se desdobrava em carinho e sempre parecia como uma descoberta.

Cada dia eu sentia mais o gosto e decidi que não provara sabor melhor nessa vida. A paixão era só o toque final de arrancar as roupas, as vírgulas e o ponto final. De voar no tempo e espaço para enfim pousar na nossa nudez. O êxtase era só um impulso para o abraço apertado do final. Também podemos chamar isso de lar.

Era proibido porque as circunstâncias nos diziam que aquilo tinha fim. Mas sorte, também se trata de uma escolha. Dessa vez eu escolhi viver com o que tinha disponível: a limonada virou coquetel afrodisíaco e eu tô hipnotizada nessas “nuances” até agora.

— Amor:

Você disse-me que eu precisava trocar os meus sapatos, porque esses já machucavam os meus pés. Sapatos, sapatos e sapatos. Quem precisa de sapatos quando o calo que eu carrego não se situam exatamente nos pés? Você sempre me dizia o quanto estava feliz comigo: essa música, esse clima e você aqui do lado. Você nem imagina o tamanho da minha alegria., Em contrapartida, eu parecia uma parede branca e calada, tentando absorver o que se tornaria a melhor experiência da minha vida.

Eu tentava disfarçar o meu medo maquinado uma expressão dissimulada, enquanto tudo o que eu queria era parar o mundo e segurar nós dois. Assim, inseparáveis e tão perenes quanto a eternidade. O que não dá para conter nas veias, escapa pelo olhar. No meio de toda a minha inquietação e fingimento, você enxergou-me. Não tentou preencher os meus vazios, mas me deu a sua mão e entregou-me tudo o que tinha. Quando eu nem sabia que precisava.

Castigo, é não ter mais ao alcance das mãos. De repente a vida parece um sopro que me produz uma compreensão fatal de antemão: cada encontro valia mais e eu entendi finalmente o significado cognitivo da palavra especial. Aquilo que se faz pronto. Aquilo que mostra o seu valor sem se importar com nada além do próprio momento. Sentimento que cresce e se transforma todo o dia.

Então eu acertei a analogia. Amor eram os sapatos que cabiam e não me machucavam mais. Amor é a humildade de aceitar o merecimento. O recíproco e a união de todas as outras coisas. Amor é quem aguça os sentidos, mas não exalta, nem promove a matéria. Amor é altruísmo até na hora de deixar ir embora. Finalmente deu tempo de entender. Finalmente deu tempo de sentir. Agradeço aos anjos, também deu tempo de viver.

— Saudade:

Esquizofrenia seria se eu dissesse que não lhe vejo nas estações, ouço-te no silêncio e sinto-te quando ando só. A prova de que o que se vive é bom, e de besteira não tem nada, são as memórias. O que penetra na alma. O que vira nuvem no céu. Até virar espuma espacial. Até o universo dar conta. Até se desfazer aos pouquinhos pelo ar.

Até lá, eu prefiro sentir o seu cheiro cravado na lembrança. Eu prefiro acordar a imaginar seu abraço. Para não esquecer a cor da sua pele, o brilho do seu cabelo e o jeito que você me devorava com os olhos, ora impacientes, ora emocionados. Eles diziam-me tudo, antes mesmo de você dizer. No fim, é para lembrar o quanto nós foi feliz de mão dada, com vinho na cabeça e sem medo do amanhecer.

A partida não é ninguém para me dizer que eu não posso mais pensar em você. Saudade é essa força que existe para manter-te por perto. Assim, a nossa história resiste e sobrevive. Ao menos dentro de mim.

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