ferida que não dói.

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Será que ninguém me enxerga, perguntava ela. Será que a parede de concreto se concretizou finalmente. Ela tentava e tentava tocar as pessoas não só com a pele, mas com a alma. Tentava tanto, que acabava se afogando com as palavras não ditas, com o medo de ser rejeitada, com as dificuldades de criar laços verdadeiros e íntimos. Seu corpo era um paradeiro de emoções retidas, selava suas pontas com as lágrimas que raramente se mostravam, mas quando faziam, formavam um córrego sem fim. Pelo menos sentia-se renovada após essa enxurrada molhada e salgada, como se a disposição de tentar ser tudo aquilo que ainda não é se tornasse algo tangível novamente. Mas logo se inferiorizava mais uma vez, deixando que a insegurança tomasse conta de seus fios de cabelo até as pontas de seus pés. Era um ciclo. Quem é que vive assim, lutando sem chegar em um fim. Ela só queria a pureza da conexão entre seres humanos. Queria experienciar a raridade da intimidade. Queria mostrar-se por inteira a qualquer pessoa que fizesse o mesmo a ela. Queria percorrer os túneis mais profundos e profanos de uma mente que não fosse a dela. Queria apreciar a beleza de ser, sem sentir-se reprovada, julgada ou mal interpretada. Queria só ser, mas com alguém. Queria fugir dessa jaula de autoproteção que ela mesma cativava. Proteção do que afinal? Camões que a diga, o amor não é ferida que dói e não se sente?

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