Sentado com as pernas cruzadas no sofá eu julgo com os olhos semicerrados a mensagem que acaba de chegar (a sua no caso) e não sei se terei forças para levar o "Oi, tudo bem?" adiante.
Quantas vezes eu me joguei nessa tarefa enfadonha de conhecer-uma-pessoa-nova-que-logo-vai-desaparecer?
Rola uma desesperança tamanha, um farfalhar inaudível das folhas lá fora... quando foi a última vez o vento me chacoalhou de verdade? Não me recordo.
Respondo que tudo está bem, uma mentira do bem a fim de darmos espaçoso para o "e você?" tão esperado pelo interlocutor.
Eis que você me responde com um "Não".
E feito as placas tectônicas que vez ou outra se raspam, algo acorda dentro de mim e um turbilhão sobe do meu estômago pelos neurônios e joga uma vozinha no pé do meu ouvido que diz: "Eu também".
Nesse momento não estou mais no meu sofá, agora estou em algum barzinho intimista com burburinho e gente que dá risada para qualquer coisa e brinda a sei lá o quê, mas me parece felicidade.
Enquanto você me fala das coisas que ama, eu vou fazendo as conexões, como assim você gosta das mesmas coisas que eu?
Vou analisando tudo com desconfiança pois algo me soa bom-demais-para-ser-verdade (ou podemos chamá-lo também de "a necessidade catastrófica de não acreditar nas pequenas conexões da vida"), mas me rendo, tiro os chinelos e me encaminho às areias da sua praia.
- Lá vai algo sobre mim: Adoro Maria Bethânia com todas as forças
- "Eu também"- Eu acredito no cinema nacional, tem muita coisa boa sendo feita aqui
- "Eu também!"- Amo música alternativa desde o MPB até eletrônico e afins...
- "Pf... eu também!"- Um dos meus lugares favoritos é livrarias.
- "Meu deus, o meu também!- "Sou louco pelo Carnaval, não só pela festa mas pela ocupação dos espaços públicas e da união das pessoas para fazê-lo acontecer!"
- "Nossa... eu também!"- "Amo Lana del Rey, é como se eu viajasse para outro mundo.
- "Que engraçado... eu também!"- "Ah estou relendo o meu livro favorito da Clarice..."
- "Clarice... Lispector?"
- "Ah não... você gosta também?"
- "Sim, a minha obra favorita é 'A Hora da Estrela' e a sua?"
- "... Essa é a minha favorita também!"Eu amo essa sensação de não estar vivendo "só" isso daqui.
Sinto que depois de tantas coincidências que aquecem o coração o burburinho do lugar que estamos começa a baixar e a sábia cantora, começa a cantar uma música mais climinha para os sobreviventes desta noite improvável.
A voz suave da Marisa monte foi beijando a todos no ambiente suavemente feito saudade desmaiada e demorado desejo.
Pego a sua mão e sinto a textura da sua pele, se eu fosse quiromântico eu leria a palma da sua mão a fim de investigar se você é tudo isso aí mesmo.
Não que eu queira checar os dados e fatos por puro capricho, porém há pouco quase cai na desgraça da superficialidade que eu senti essa conversa como uma pedrada na vidraça.
Achei que sabia de tudo.
Aí você foi lá e quebrou a crosta das verdades absolutas que aqui viviam.E o mais engraçado é que (eu também), de alguma forma, reverberei pelos labirintos das complexidades da sua existência.
Antes de irmos dormir eu te disse que gosto dessas conexões bizarras que me fazem ter vontade de acreditar naquilo que já estava esquecido, mas que sou averso à ideia de alguém ter que ser igual a mim, pois valorizo o espaço para as diferenças, para troca e para redescobrirmos todo tipo de coisa.
Você riu e disse "eu também!".
Eu ri de volta.
E seguimos os nossos caminhos.Estar vivo em um mundo rarefeito é como um respiro de vida após minutos se debatendo debaixo d'água em busca de um motivo para subir.
Salve Poseidon.