A flor da pele.

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Eu estava louca por ele. E ele parecia que gostava de mim também. Das infinitas descobertas diárias, uma em particular me impressionou um pouco mais: quando a saudade batia, era dele inteiro. Titubeei: como pode alguém sentir saudade de um corpo todo? De cada pedaço, de cada espaço, do alguém por completo? Nunca senti tanta saudade e agora só sabia sentir assim.

A solidão era insaciável, até encontrar a companhia dele. O dia não amanhecia e eu anoitecia na escuridão, sozinha e calada. Tinha fome da sua boca e sede da sua voz. Busquei em outros caminhos, topei com vielas mal feitas, esburacadas, fracas e nada me nutria, nada me satisfazia.

Nosso encontro era inevitável. Nós tínhamos de estar juntos, com todos confundidos: mundo, cenário, figurantes. pele, corpo e alma. Desnudos, vestidos de amor. Transgredindo, errando, fragmentados, miúdos e enlaçados. Boca, carne e coração.

Beijo a beijo eu ia percorrendo seu pequeno infinito. Amar, é uma viagem ao complexo estelar e meus pés desistiram de ficar do chão. Flutuei pra chegar até ele. Fui onde não esperava nada e encontrei tudo. Uma única vez, como nunca e sempre. O tempo se estendeu e eu não sabia o que sentia. Mas, sentia a cada toque, ao ouvir sua voz e a deixar meu corpo pousar no dele. Era sua antes mesmo de saber quem eu era. Questionei: "Quem te ensinou os passos para chegar até mim?" Ele sabia e fazia como se me soubesse desde sempre.

Tive que me despir dos meus medos, abandonar meus ideais já sem força. Era a hora de abrir meu coração e me permitir viver pela emoção. Nunca soube sentir só por sentir. Todo sentimento carrega consigo seu sentido. Só sei sentir me apegando à razões, me esgueirando e me apoiando como se fossem blocos de concreto: sólidos e possíveis. Fugi, quando me privaram os motivos. Eu não tinha mais em mãos nenhum por quê, era só ele e o efeito que ele causava em mim. Eu estava perdida e ao mesmo tempo pronta para me encontrar naquele corpo.

Meu temor era uma arma tóxica e terrível. Me fazia jurar em frente ao espelho que esse romance vinha com prazo de validade. E que dos outros, já se igualava ao final. Eu me via certa e minha convicção se prontificou a se transformar em frieza. Abafei meus sentidos e desejos. Tentei me esconder como quem tem medo do desconhecido. Não era ele a quem eu temia, e sim, quem eu me tornaria, apaixonada por ele.

Nossas visões de mundo eram opostas, mas nossos corpos se encontravam em perfeita simetria. Um conflito inimaginável e ao mesmo tempo possível. Se apresentava como tudo aquilo que eu nunca quis: um compilado que corria desenfreado para longe do que eu sempre idealizei.

Descobri que nem tudo precisa fazer sentido, para me fazer sentir. Dessa vez, as amarras ficariam de lado, as ideias formadas despencariam e só restaria espaço para o meu coração falar. E ele me diz todos os dias, que até quando parece triste, se encontra feliz. Felicidade agora me parece uma questão de aceitar e se propor a ser.

Então, eu entendi. Eu entendi, que o medo é uma força incontente que precisa ser detida. Mas que também pode viver em harmonia caso eu aceite que há dias em que não faz mal algum. Um incômodo imperceptível. Um cisco.

Eu entendi que ele era meu antídoto e também minha liberdade, que só se manifestavam com meu corpo no dele. Eu soube desde o primeiro dia. Desde o primeiro toque. E agora já não preciso mais saber para sentir. Coisa de pele tem sua própria maneira de sobreviver.

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