1 - Branco como a neve

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O vento ainda frio do recente inverno batia em seu rosto, fazendo um carinho agradável em sua pelagem vermelha enquanto corria pela mata em direção as montanhas, próximas de onde morava. A raposa só parou de correr quando chegou em um local onde a mata era quase inexistente devido a base rochosa onde se iniciava uma grande montanha; ergueu a cabeça e inspirou fundo o ar puro do lugar, e um nítido sorriso se formou em seus finos lábios. Aquele lugar certamente havia se tornado o seu lugar favorito. Decidiu subir mais um pouco ao avistar uma parte em que poderia ver a lua mais de perto. A subida era um pouco longa e difícil por não ter muitas brechas para que pudesse apoiar suas patas; sua respiração já estava ficando pesada e sua língua caída na lateral da boca, mas não podia simplesmente desistir. Kirishima Eijiro precisava daquilo.

Kirishima era um híbrido de raposa vermelha, e pelo menos uma vez por ano, durante a primeira lua cheia da primavera, se transformava no animal por completo. Pelo menos uma vez por ano, podia ter sua liberdade.

Chegou onde queria; feliz por ter conseguido alcançar uma parte mais plana da montanha, era como um ponta em que poderia deitar e rolar se quisesse; talvez voltasse ali quando estivesse na sua forma humana para acampar e observar as estrelas.

Mas antes que Kirishima pudesse escolher um lugar ideal para se acomodar, recuou um passo em falso, quase caindo montanha abaixo com o susto que teve ao ouvir de tão perto o uivo de um lobo.

Um uivo tão selene que ecoou pela cidade abaixo, fazendo os demais lobos que estavam pelas ruas uivarem em resposta.

Kirishima não tinha certeza se seu coração estava batendo rápido a ponto de sair pela boca como uma bola de pêlo devido ao susto de quase ter caído, ou se era pelo enorme lobo de pelagem branca que não havia percebido estar ali.

Que merda havia acontecido com seus instintos que lhe informava o perigo? Era um alfa que estava ali.

Queria recuar, aproveitando que uma sombra da montanha o mantinha escondido e o outro não o havia lhe notado, seria problemático caso o lobo o percebesse ali. Kirishima sabia que por mais que soubesse brigar, não iria escapar sem nenhum ferimento profundo caso se envolvesse em uma briga justo com aquele lobo pelo território. Mas simplesmente não conseguia. A imagem do lobo a sua frente havia prendido completamente sua atenção. Sentado sob as patas e com a cabeça inclinada para cima ele uiva para a lua; e a própria lua parecia retribuir pela graciosidade do som, como se estivesse usando todo seu brilho apenas para o iluminar, fazendo com que os pêlos branco parecessem ainda mais brancos.

" Tão lindo.."

O lobo então se levantou, esticando as patas dianteiras a sua frente para se espreguiçar e abrindo bem a boca de dentes grandes e afiados para um longo bocejo. Talvez Kirishima tivesse comemorado cedo de mais, de que o lobo estivesse indo embora pelo o outro lado da montanha e que finalmente teria a lua só para sí. Mas ao invés de apenas ir embora, o lobo veio em sua direção.

Kirishima travou. Seu rabo entrando automaticamente entre as pernas e seu corpo indo de encontro ao chão. Era ridículo, mas não podia simplesmente ir contra seus instintos que o mandava se curvar em respeito a um lobo, principalmente quando esse lobo era um alfa.

Fechou seus olhos com força, esperando pelo rosnado. Mas ele não veio.

Se seus olhos pudessem se abrir mais ainda, Kirishima certamente o faria diante da surpresa que foi o lobo o farejar, porque até onde sabia, lobos não gostavam do cheiro das raposas.

Ergueu sua cabeça, ainda mantendo o corpo no chão para evitar qualquer mal entendido de que queria brigar. Seus olhos se prenderam ao vermelho carmesim do lobo que, por algum motivo, achava estarem em um vermelho mais intenso. Mais bonito. O lobo se aproximou, e se qualquer outra atitude não havia sido estranha o bastante, essa definitivamente havia sido; uma lambida em seu rosto foi o que recebeu, antes do lobo passar por sí e ir embora sem olhar para trás.

Kirishima voltaria para sua forma humana em algumas horas, mas sua cabeça já estava colapsando em meio a tantos pensamentos, sendo o principal deles: que porra foi aquilo?

                  ↬ Um tempo depois ↫


— Pegou tudo?

— Peguei, tô saindo.

— Espera.. — ela segurou em seu pulso antes que pudesse girar a maçaneta da porta e sair. — Não se mete em brigas! — ordenou, e Kirishima apenas bufou. — Eu tô falando sério, Eijiro. Essa é sua última chance, não faz merda.

— Já entendi, mãe! — disse, soando quase como irritado por ter que ouvir tudo aquilo pela enésima vez desde que havia recebido uma carta de expulsão da antiga escola por se envolver em uma briga das grandes com outro aluno — Tô indo, não posso me atrasar.

Kirishima andava pela rua com as mãos no bolso e um bico irritado no rosto; adorava a mãe, mas odiava o modo como ela vinha o tratando, como se fosse alguma espécie de delinquente que não tinha mais concerto. Não tinha culpa pelas brigas que se metia, os lobos que eram os idiotas que o provocavam, ele só se defendia.

"Queria ser apenas uma raposa.."

E foi com esse pensamento, que sua mente foi tomada pelas lembranças da última lua cheia; sentindo o vento em seu rosto enquanto corria em liberdade para onde quisesse, sem ter que se preocupar com nada da vida humana ou com as obrigações do último ano escolar. Porque ser um híbrido se queria ter apenas uma espécie?

Suspirou se sentindo derrotado quando o mesmo questionamento de dias atrás voltou a perturbar sua mente; Kirishima vinha se perguntando quem era aquele lobo que encontrou na montanha ou se um dia iria encontrá-lo novamente, se perguntava se ele era algum tipo raro já que nunca havia visto alguém tão grande ou com pêlos tão branco que parecia como a neve. Se perguntava o que aconteceria caso algum dia as diferenças entre os híbridos seriam deixadas de lado e uma trégua estabelecida. Queria encontrá-lo novamente.

Estava distraído quando passou pelo portão da nova escola — uma escola mais rigorosa que de acordo com a própria mãe, iria colocá-lo nos trilhos do caminho certo — que não percebeu o que vinha em sua direção.

Foi uma grande tolice pensar que em algum momento poderia acontecer uma trégua, quando uma bola de basquete foi jogada em sua direção e acertando seu rosto. Seu nariz ardeu com o choque contra a bola, levando automaticamente as mãos ao local para verificar se não havia quebrado.

Kirishima olhou ao redor a procura do culpado, sentindo o sangue escorrer em sua mão, e não muito longe dali, estava os culpados, dois garotos, um loiro e um de cabelo roxo, ambos lobos. Eram os únicos que estavam vestidos diferentes dos demais alunos — ambos usavam um uniforme de clube — e pela reação incrédula do de cabelo roxo, não foi difícil encontrá-los.

— Qual é a tua? Seu desgraçado. — gritou

— Eu ia pedir desculpa, já que esse idiota aqui que desviou. — o loiro falou enquanto se aproximava para recuperar sua bola — Mas pelo visto você tá bem, já que tá gritando... raposinha.

— Seu lobo de merda. — vociferou, partindo para cima do outro, foda-se o que havia prometido para sua mãe, queria matar aquele lobo.

Era realmente tolice achar que lobos e raposas podiam um dia se dar bem.

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Eh isto, espero que tenham gostado 😔❤

The Love We Share - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora