GUY
— Para onde estamos indo exatamente? — perguntei, enquanto passávamos pela orla da praia.
Já era tarde. O azul-escuro do céu se interpolava com o azul do oceano no horizonte, de modo que não dava para saber bem onde começava um e onde terminava o outro.
Daisy dirigia a caminhonete velha que ela chamava de carro, apesar de eu ter insistido que pegássemos a minha Range Rover. Ela disse que a caminhonete estava em perfeito estado de uso, mas os rangidos do motor a cada lombada que passávamos pareciam dizer o contrário.
— Você verá.
Estacionamos o carro em frente ao calçadão da praia. Andamos mais ou menos meio quilômetro até a roda gigante vermelha do Pacific Park entrar no meu campo de visão, suas luzes se destacando contra o fundo escuro do céu.
— O píer de Santa Monica? É essa sua grande surpresa? — Eu a encarei — Isso é o roteiro básico de todo turista que vem para a Califórnia.
— Mas eles não têm a companhia de Daisy Lynton.
— Isso eu não posso negar.
Entramos no parque, que não estava tão cheio, apenas alguns pais com suas crianças e adolescentes procurando algo para fazer.
— Meu pai trazia eu e meu irmão aqui nas férias antes de Elliot nascer — comentou, enfiando as mãos no casaco preto. Estava frio e a brisa marítima vinha na nossa direção, provocando pequenos estremecimentos no corpo de Daisy — Eu tive meu primeiro encontro aqui também. E às vezes, eu e meus amigos vínhamos apenas para beber.
Sorri. Gostava de ouvir Daisy contar sobre os pequenos fragmentos da sua vida, eu os escutava com atenção e juntava todas essas pequenas peças em minha mente como um quebra-cabeça da sua vida.
Será que um dia eu faria parte de umas dessas peças? Será que, depois que o casamento terminasse, Daisy se lembraria de mim com o mesmo sorriso que se lembra de seus amigos? Eu queria tanto que ela se lembrasse e não fazia ideia do porquê, apenas tinha esse desejo imensurável de fazer parte da sua vida de alguma forma.
— Além disso, vários filmes foram gravados no píer. Por exemplo, Forrest Gump corre pelo píer ali, o Homem de Ferro sobrevoa a roda gigante no primeiro filme... Até o aniversário da Lily em Hannah Montana é aqui — Daisy continuou, apontando enquanto falava.
— Tem certeza que esse é o melhor exemplo? — eu ri.
— É um clássico, ok? — Daisy abriu aquele sorriso que já se tornava o meu predileto — Eu imaginava que um dia teria um filme meu gravado no Pacific Park — ela caminhou até a grade que separava o parque da praia lá embaixo.
Juntei-me a ela.
— Você é talentosa, Daisy, é óbvio que um dia terá seu filme aqui — falei, sem tirar os olhos das ondas que quebravam e atingiam os bancos de areia.
Ao fundo, ouvia conversas soltas, crianças brincando, o barulho alto dos brinquedos e alguma música pop que tocava pelos alto-falantes.
— Talvez. Eu sempre fui insegura sobre... Bem, tudo na minha vida — afirmou, tentando afastar uma mecha do cabelo que batia contra sua bochecha — Estudei a noite inteira para essa prova, mas vai aparecer algo que eu nunca vi e será o fim do meu semestre ou... Eu sei dirigir, mas e se na prova de direção alguma coisa falhar? Ou eu tento ser uma boa namorada, só não é o suficiente...
Avancei minha mão até uma mecha de cabelo solto e prendi atrás da sua orelha, sentindo a sua pele quente contra a minha.
Queria poder fazer mais sobre isso. Queria arrebentar todas aquelas pessoas que já fizeram Daisy se sentir menos do que é. Queria mostrar para ela a garota incrível que ela era. Queria poder fazer algo sobre suas batalhas internas como ela vinha fazendo, sem nem ao menos saber, pelas minhas.
— Você já se sentiu assim? — perguntou, virando o rosto na minha direção.
Estávamos incrivelmente próximos. Nossos ombros e braços se tocavam levemente e eu podia sentir o cheiro de maçã dos seus cabelos.
— Acho que sim. Na infância, sempre pensei que era um peso para meus pais — revelei, sentindo o olhar penetrante de Daisy sob mim — Ser filho de um ator internacionalmente reconhecido não é muito fácil, porque as pessoas espera grandes coisas vindo de você... Principalmente meu pai — disse, cruzando as mãos — O problema é que eu nunca fui como ele. Eu criava problemas na escola, arrumava briga com os vizinhos, devo ter quase matado minha mãe de preocupação mais vezes do que posso contar — ri uma risada seca.
— O que seu pai fez? — perguntou, como se adivinhasse para onde esta conversa estava indo.
— Meu pai é filho de militares, então a resolução educacional dele era... um pouco dura — fechei os olhos, me transportando novamente para o meu eu de quatorze anos de idade, que desejava fugir todos os dias daquele lugar para sempre.
— Seu pai te batia? — a voz de Daisy endureceu.
Não respondi.
— Isso é horrível — Daisy disse em um tom irritado.
— Minha mãe foi a barreira que o impediu por muito tempo. Em compensação, ela sofreu as consequências por mim — abri os olhos novamente — Depois que ela se foi, as coisas pioraram bastante...
— Então você veio para cá?
Assenti.
— E comecei minha carreira. Nós ainda nos vemos periodicamente, mas acho que duas horas de convivência é o limite para não acontecer uma tragédia.
— Por isso você não quer voltar para a Inglaterra — concluiu Daisy.
Eu a encarei. Podia ver todos os detalhes do seu rosto a essa distância, as íris enormes e castanhas, a pequena pintinha ao lado do nariz, o jeito como as pontas dos seus lábios estavam para baixo em uma careta de irritação.
— Ninguém deveria passar por isso.
— Está tudo bem agora. Não sou mais uma criança medrosa.
— Qualquer um tem o direito de ser uma criança medrosa uma vez na vida — Daisy afirmou.
Dei de ombros, tentando aproveitar aqueles minutos o máximo possível para gravar seu rosto em minha memória.
Seus olhos se encontraram com os meus.
— Mas você... Você é talentoso, divertido e...
Eu ergui a sobrancelha, desafiando-a a falar as próximas palavras.
— Gato — disse —, mas não deixe que isso suba a cabeça — falou ela ao perceber um sorriso crescer no meu rosto.
— É um pouco tarde pra isso.
Daisy riu.
Meu olhar desceu dos seus olhos para os seus lábios avermelhados pelo frio. Ela deve ter percebido esse simples gesto, pois fechou o sorriso imediatamente e virou-se para mim.
Levei meu rosto até o dela, ficando a menos de vinte... dez.. cinco... centímetros de distância da sua boca. Mas antes mesmo que nossos narizes pudessem se tocar, Daisy ergueu a mão colocando-a entre nós dois.
— Não se esqueça da regra número um.
— Foi você quem criou essa bobagem, eu não sigo regras — peguei no seu pulso, afastando-o para sussurrar no seu ouvido. Um arrepio subiu pelo seu pescoço e isso me deixou satisfeito.... por enquanto.
Daisy pousou a mão no meu peito e me afastou com um empurrão fraco.
— Não me faça pedir divórcio, seu idiota. Agora, vá comprar algo para comermos — Foi tudo o que me disse antes de virar o rosto novamente na direção do oceano.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Casamento à Moda Inglesa
Romance[ FAKEDATING || +16 ] Daisy é uma das maiores diretoras de cinema atualmente... Ok, pelo menos, nos seus sonhos, ela é. Na vida real, Daisy Lynton trabalha como "assistente" da assistente de direção no set de Corações em Chamas, uma série bem sucedi...