Capítulo 1

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                            Erick

Permaneço com os olhos fixos no teto. Talvez se eu ficar assim, eu não pense tanto nos meus problemas. Respiro fundo e me sento sobre a cama.

É... Não vai rolar.

Pego meu violão que está ali perto e dedilho algumas notas tentando fazer a melodia me acalmar, o que novamente não funciona.

Meu celular toca e como não estou afim de atender, deixo que ele toque o quanto quiser. Só que ele não para de tocar e eu resolvo atender logo.

— Alô? — ouço um som bem alto no fundo, enquanto a pessoa na linha murmura algo — Não estou conseguindo ouvir.

O barulho vai ficando mais baixo, o que indica que ele está se afastando do local onde estava.

— Melhorou agora? — pergunta e eu reconheço a voz.

— O que você quer, Marcos?

— Tá tendo uma festa muito animada na casa da Raquel e ela não para de perguntar por você. Se eu fosse você não perdia tempo!

Marcos é meu amigo de infância, nos conhecemos desde os dez anos de idade. Ele não perde uma festa e a oportunidade de ficar com várias garotas.

E eu bem que iria a essa festa, se a minha única vontade não fosse ficar trancado no meu quarto.

— Eu passo. Deixa pra próxima.

— O quê? Você ouviu o que eu disse? A loira tá caidinha por você e é isso que você diz? Deixa pra próxima?

— Não tô afim, tá bom?! Se estiver tão incomodado assim, pode ficar com ela pra você! — falo perdendo a paciência.

— Calma, cara! Não precisa ficar estressadinho.

— Olha, Marcos, valeu por me avisar, mas eu não vou.

— É você quem sabe! — reviro os olhos e desligo sem esperar que ele fale mais alguma coisa.

Como se eu estivesse em clima de festa hoje!

Sinto vontade de sair para esfriar a cabeça e é isso que faço. Pego as chaves do meu carro e desço as escadas que levam à sala de estar.

Vejo meus pais com seus computadores e nem faço questão de distraí-los. Mas antes de tocar na maçaneta da porta principal, ouço a voz da minha mãe.

— Onde você está indo? — me viro em sua direção e ela me encara.

Como se eles se importassem.

Vou sair um pouco.

— Tudo bem. — ela volta a olhar para o seu computador.

Não disse? Eles não dão a mínima pra mim, só fingem que se importam.

Abro a porta, mas antes de sair ouço meu pai falar.

— Nada de bebidas, nem drogas — diz sem levantar os olhos de seu trabalho.

Nem me dou o trabalho de responder. 

Meu pai é médico e minha mãe é advogada, por conta do trabalho deles, nunca passam um tempo de verdade comigo, sempre apressados e ocupados. Confesso que quando eu era criança isso me incomodava muito, mas agora não me importo mais.

Eles me dão tudo o que eu quero sem que eu precise dá satisfação do que faço e tudo o que preciso fazer em troca é ganhar boas notas.

Saio da garagem com meu carro e sigo pelas ruas iluminadas pela luz dos postes. Vejo algumas pessoas passarem por ali sorrindo e conversando.

Como se eles soubessem o que é ser feliz de verdade...

Sinto algo queimar dentro de mim e meus pensamentos enchem minha cabeça. Uma confusão de emoções e sentimentos que fazem minha cabeça doer sem eu saber o motivo.

Abaixo a cabeça por um momento, mas o som de uma buzina forte me desperta. Percebo que estou no lado errado da linha e em um reflexo rápido desvio do carro à minha frente.

Posso ouvir meu coração bater mais forte por conta da adrenalina, o que me faz sorrir. Diminuo a velocidade e paro em uma praça ali perto. Me sento em um banco e observo o movimento das pessoas que passam por ali.

Eu tenho tudo o que um cara gostaria de ter: pais ricos, um carro bacana, as garotas mais lindas aos meus pés, uma das melhores faculdades do estado...

Então por que será que eu me sinto tão vazio, como se faltasse algo em minha vida?

Passei o ano passado inteiro me divertindo de todas as formas possíveis, indo a festas, fazendo passeios e ficando com todas as garotas que eu quisesse.

Foi o melhor ano da minha vida, porque foi nesse ano que eu realmente vivi de verdade. Mas quando veio as férias, comecei a sentir falta de algo em minha vida e a ter sonhos estranhos.

Concluí que isso era resultado da falta de aventura e por isso disse para mim mesmo que faria dos meus anos seguintes os mais intensos possíveis.

Sem ninguém pra me dizer o que eu devo fazer, quero ser livre e que nada me impeça disso.

Volto para o meu carro e dirijo de volta para casa. Assim que chego, me tranco no meu quarto e me jogo na cama. O sono não demora a vir e junto com ele um sonho.

Quando abro meus olhos, estou no que parece ser uma floresta. Está tudo escuro e não consigo ver nada, nem eu mesmo.

Começo a caminhar procurando algum ponto de luz, mas quanto mais eu ando, mais eu sinto que estou sendo seguido.

—Tem alguém aí? — pergunto olhando em todas as direções.

De repente, várias vozes que eu não consigo distinguir falam ao mesmo tempo e eu tento entender o que estão falando. Mas o barulho começa a ficar incomodando e meus ouvidos latejam, tento protegê-los com as mãos, mas é inútil. Caio de joelhos com o desespero tomando conta de mim.

— Parem! Parem, por favor! Vão embora!

Os sons ficam mais altos e eu grito com todas as minhas forças. Até que uma voz mais baixa chama a minha atenção e eu tento me concentrar nela.

À medida que eu vou escutando aquela voz, as outras vão ficando mais distantes e eu consigo ouvir ela com mais clareza. Logo, uma pequena luz começa a clarear mais à frente e eu vejo uma silhueta diante de mim. Não consigo ver seu rosto, mas ela me passa tranquilidade e eu não sinto mais dor.

— Segura a minha mão. Conheço Alguém que pode te ajudar.

Ela estende a mão em minha direção e eu logo tento pegá-la, mas por mais que eu tente, não consigo alcançá-la. As vozes aumentam novamente e eu sinto o chão abaixo de mim rachar. Tento sair dali, mas uma força me puxa para baixo e eu caio no buraco que não parece ter fim.

Não! — acordo em um sobressalto, arfando e todo suado.

Essa é a terceira vez que eu tenho o mesmo sonho, ou melhor, pesadelo, só nesta semana.

E de novo não me lembro da pessoa do meu sonho. Posso não me lembrar de seu rosto, mas com certeza reconheceria sua voz em qualquer lugar.

Quem será que é ela e por que tem mexido tanto comigo?

Olho para o relógio na cabeceira que está marcando duas horas da madrugada e respiro fundo.

Daqui à algumas horas terei que ir para a faculdade, pois será início das aulas.

Fico cerca de meia hora rolando de um lado para o outro sem achar sono, mas depois de um tempo o cansaço me ganha e eu enfim consigo dormir.

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