Pov. Aurora
Tenho muitas memórias da minha infância, principalmente as que eu costumava ir ao cinema com o meu pai. Quase todos os sábados do mês nos preparávamos para comprar os ingressos e a pipoca com manteiga — isso também incluía uma barra de chocolate e um copo de refrigerante.
Sinto falta disso.
A minha paixão pelos filmes sempre se concentrou mais nos roteiros. Estranho falar desse jeito, mas, era muito bom analisar as falas dos personagens com a interpretação do ator. Já irritei meu pai diversas vezes na sala escura do cinema enquanto criticava uma fala sem noção do personagem. Era mais forte que eu!
Com o novo emprego do meu pai numa empresa de automóveis, as idas ao cinema se tornaram menos frequentes, até chegar o momento de não pisarmos mais lá. Tentei ir sozinha ou com os meus amigos da época, mas não era a mesma coisa. Comecei a crescer e ele começou a falar sobre responsabilidades, futuro, independência... Tinha pressa na sua fala, urgência, algo que eu não estava preparada. A verdade era que eu tinha mais medo do que preparo.
Porém, as responsabilidades acabam batendo na sua porta de qualquer maneira, e as minhas entraram com tudo depois que me formei na escola. Eu não me imaginava fazendo outra coisa além de escrever, até pensei em Jornalismo e Direito, mas tudo parece tão... Fechado. Então, resolvi arrumar um emprego e fingir que estava tudo bem para a minha família.
O meu sonho é ser uma grande roteirista de Hollywood, trabalhar com os maiores nomes do Cinema e tentar fazer filmes que realmente toque as pessoas de alguma forma. Parece um sonho distante, mas as vezes eu sinto que, a cada dia que passa, eu estou mais perto de chegar onde eu quero.
— Moça? — Olhei para o cliente do outro lado do balcão, voltando dos meus devaneios.
— Oi, desculpe. O que pediu?
— Um cappuccino.
Tudo bem... Trabalhar numa cafeteria não era exatamente o meu plano para o futuro, mas paga o meu curso de escrita, então isso descarta qualquer tipo de plano que eu poderia pensar em fazer das 8h às 13h.
Vejo Bárbara e Letícia entrarem no local, balançando o sino da porta de entrada. Elas sempre escolhem o lugar próximo a janela para observar o fluxo de pessoas. Peguei as minhas coisas e sentei com elas, já que meu horário tinha acabado.
— Finalmente encontramos você aqui — disse Bárbara. — Achei que você já tinha saído.
— Hoje eu não tenho aula, então está tudo bem.
— Eu quero só ver quando os seus pais descobrirem que você saiu do cursinho.
— Credo, Bárbara! — resmungou Letícia. — Você anda muito negativa. Eu acho ótimo que você esteja fazendo o curso amiga, é algo que você sempre quis.
— É por isso que eu te amo mais!
— Mas...
— Ah não, sem "mas" na frase.
— Eu também acho que, terminando o curso, você deve ter uma conversa com os seus pais sobre isso.
— Gente, eu que estou pagando o meu curso, eles não estão me bancando nessa parte, então não acho que eles precisem saber disso.
— Aurora, você vai fazer 21 anos e seus pais ainda te pressionam pra entrar numa faculdade. Você realmente não acha que nunca vai precisar ter essa conversa com eles? — questionou Bárbara, recebendo o copo de café do atendente em seguida.
— Eles não mudaram de opinião sobre aquilo?
— Nem nos meus sonhos!
Resumidamente, meus pais enfiaram em suas cabeças que eu não precisava escolher o meu futuro, então eles decidiram fazer isso por mim. Uma atitude muito nobre, claro. A minha mãe queria que eu fizesse psicologia e meu pai queria administração porque, segundo eles, assim conseguiria crescer dentro de uma empresa.
Não que eu achasse essas duas áreas horríveis, eram ótimas, mas não tinha nada a ver comigo. Eu nem conseguia me imaginar atendendo pacientes dentro de um consultório ou usando roupa social num calor de 30°C. Isso já criou muitas discussões dentro de casa, principalmente por ser a filha mais velha. Sabe, eu não estaria dando "um bom exemplo" para a Bel.
— Eu pensei que o seu curso só tivesse durado dois meses — disse Letícia, meio confusa.
— E durou, mas o meu professor me indicou outro curso sobre Escrita Criativa com uma amiga dele, depois outro curso sobre desenvolvimento de enredo e personagens.
— Ela tem quase três diplomas e nós aqui lutamos pra sair da faculdade com o nosso! Está vendo como a vida é injusta? — disse Leh para Babi.
— Fica quieta!
Saímos da cafeteria em direção ao ponto de ônibus rindo do comentário. Eu sabia que elas me apoiam em tudo o que eu faço, mas também entendia suas preocupações. Era um assunto complicado demais...
— Vai pra casa?
— Vou, tenho uma atividade pra entregar amanhã, então...
— Manda mensagem quando chegar!
👻Ao chegar em casa, ouço o rádio tocando no andar de cima. Sorri já sabendo em quem iria encontrar. Coloco a mochila no sofá e subo as escadas calmamente. Abro a porta do meu quarto e observo do batendo da porta a pessoa dançando, enquanto limpa a estante.
— Oi vó!
— Chegou cedo, o que faz em casa?
— Não tenho aula hoje, mas tenho trabalho pra entregar amanhã.
— Bem, então arranje uma boa desculpa para sua mãe não colocar você para me ajudar a limpar a casa. Ela está furiosa.
— E posso saber o por quê?
— Sua irmã foi reprovada no inglês, e depois ela e seu pai discutiram sobre pagar um curso ou um professor particular.
— Ela é muito melhor no espanhol, não sei por que eles insistem nisso.
— Os dois são difíceis, Aury. Eu não quero pensar na briga quando eles descobrirem sobre você.
— E eu espero que a senhora guarde muito bem esse segredo, ok?
— O problema não é guardar o segredo, e sim a revelação dele.
As únicas pessoas que sabiam sobre o curso além das meninas eram a minha vó e minha irmã. Sei que são duas pessoas que me entenderiam desde o começo, então, depois que terminei o primeiro curso, decidi contar a elas. Era bom saber que pelo menos uma parte da família me apoiava.
Bel entrou no quarto estressada, batendo a porta em seguida. Deitei na minha cama e ela fez o mesmo.
— Estou cansada desses dois; por que eu não posso escolher o espanhol? — resmungou. Bel sempre foi uma aluna exemplar e eu poderia dizer o mesmo de mim, mas ela sempre teve problemas com o inglês, e isso quebra a fachada de filhinha inteligente para os meus pais.
É patético.
— Por que eles querem controlar tudo.
— Acho melhor descermos. Vamos até a cozinha e faço um chá para vocês — disse vovó nos levando até a porta.
— Chá de camomila?
— Com certeza! — Piscou.
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A Arte Entre Nós
Fanfiction"É comum ouvir que a Arte pode mudar vidas e tocar as pessoas, mas nem sempre ela é aceita como uma carreira. Aurora Rizzi é uma jovem de 21 anos que sonha em viver daquilo que mais lhe dá prazer: escrever. É através de uma oportunidade que ela deci...