"Chá de Poejo, uma planta mundialmente conhecida devido às suas propriedades medicinais, mas quando tomado em doses letais provoca irritação do seu útero e, assim, produz contrações. Esse é um dos chás mais fortes e já houve registro de morte por envenenamento. Muitos destes casos são de mulheres que tomaram chá para um aborto e morreram de falência múltiplas de órgãos. Os sintomas desse chá incluem tontura, cólicas abdominais, convulsões, desmaios, náuseas, fraqueza, alucinações, dormência nas mãos e pernas, e diarreia. É este estado de overdose que produz as cólicas uterinas que provocam o aborto."
A mais nova garçonete da livraria-lanchonete nas vizinhanças de onde morava fecha o livro com força, ela havia falado para suas colegas garçonetes sobre estar estudando sobre o movimento feminista e Abortion Act — como ela ainda não tinha barriga para denunciar sua gravidez de 4 meses, ela pegou todas as dicas e informações sem levantar suspeitas. Então por isso ela estava lendo sobre chás abortivos como uma opção menos escandalosa, mas não gostou do que tinha acabado de ler. De fato, ela não queria levar essa gravidez adiante, mas se envenenar no processo não era uma opção.
Ela estava passando tanto tempo lendo sobre abortos que estava começando a ter sentimentos de autodesprezo, ela se via obcecada sobre o assunto na tentativa que a coragem milagrosamente aparecesse na sua porta. Isso, de forma indireta, estava respingando na forma como ela enxergava os outros seres humanos também. Todos eram movidos por sexo e dinheiro — ela estava morando em Londres por causa da segunda opção, por exemplo. Foi nessas condições: sem emprego fixo, sem dinheiro e sem amigos, que ela não só parou de esperar o melhor das pessoas, como também passou a querer o pior que elas tinham a oferecer.
Quando chega em casa depois do meio expediente do dia, ela recebe uma ligação de quem menos esperava naquele dia. Era Rebekah Lancaster.
– Você é usuária de drogas? – A voz de Betty vai diretamente ao assunto que queria tratar e moça em seu moletom preto apenas rir, pois essa pergunta era algo que ela não esperava.
– Que tipo de pergunta é essa? Óbvio que não, sou psicológica, esqueceu? – Ela fala sem pensar na carta que tinha recebido dias atrás, então se retrata – Eu era na verdade, já que você mentiu na cara dura e me denunciou.
– Não vou me desculpar por seguir ordens do meu advogado, mas posso tentar me redimir com algo que acho que é do seu interesse.
– Que seria...?
– Você sabia que o James é viciado em heroína? – A mulher escuta a voz do outro lado da linha dizer as palavras, se perguntando se aquilo era apenas mais um truque ou se era verdade.
– Ele nunca me falou nada, nem nunca testemunhei algo que sequer me fizesse pensar nessa possibilidade. Você tá falando sério?
– Eu não brincaria com algo assim, apesar de pouco me importar se ele vai cair morto hoje ou amanhã ou na próxima semana. Eu me preocupo com você...
– Ok, isso só pode ser uma pegadinha, certo? Boa noite senhora Lancaster. – Ela interrompe a fala do outro lado da linha e desliga o telefone, depois se enrola no edredom para curtir a solidão londrina sem pensar em quaisquer dramas que estivesse a chamando do outro lado do oceano.
O telefone toca novamente. Ela não atende de primeira, mas ao tocar insistentemente mais duas vezes, ela acaba atendendo.
– Uma ligação para Londres custa caro para caramba, então me escuta! – Betty fala com impaciência.
– Você. Não. Se. Preocupa. Comigo.
– Mas com o bebê que tá na sua barriga sim! Eu estou falando sério quando digo que o James é um viciado em opioides, na verdade estou surpresa de você nunca ter sequer desconfiado, doutora. Você é mais cega do que eu pensava.
– Como ele está? – A mulher que estava em Londres pergunta finalmente se tocando que Betty estava a falar sério.
– Como você está? – Betty pergunta, mas como não recebe resposta apenas continua – Eu não sei mais nada sobre ele depois que chutei a bunda dele duas semanas atrás, mas vamos ao que interessa. Você tem PhD, deve saber os perigos genéticos para um feto que tem os pais viciados em drogas, certo? Não creio que preciso te explicar isso.
Ela sabia muito bem os riscos que poderiam ser o empurrão que ela tanto precisava — tudo bem que eram só riscos e ela ainda teria que assumir o poder da sua escolha, mas ela não podia continuar a viver com essa coisa que crescia dentro dela a lembrando o tempo todo da parte que ela tinha deixado em Nova York. Prestes a chorar enquanto escutava a respiração de Betty ela apenas agradece a preocupação e diz que já sabia de tudo que deveria saber, então desliga o telefone.
Percebendo que sua hesitação não vinha só dos preceitos religiosos dos pais adotivos cuja ela repudiava, mas claramente vinha também da espiral descendente que James significava para ela, onde ela ainda tentava se agarrar impotente, pois não está pronta para seguir em frente. Não havia necessidade de continuar se machucando tanto assim quando sabia o quão frágil já estava.
Apesar de estar com o coração partido, em saber sobre o vício dele, ela não podia evitar em ver isso tudo como uma grande tragédia em forma de um filme, que nunca foi feito, baseado em sua grande história de amor. O herói é futuro com James que ela rejeitou, se esse já está morto e enterrado então do quê adianta fazer um filme baseado nessa história? Cada dia em que ela havia passado a mais nesse relacionamento foi como se ele estivesse arrancando as cascas de suas cicatrizes em processo de cura.
Para virar as costas para esse capitulo em sua vida, ainda restava um único cordão umbilical para cortar.
Do outro lado da linha, após soltar o telefone, Betty acena positivamente para seu advogado como se tivessem cumprido uma missão secreta, porém crucial. A ligação inteira tinha sido gravada e agora, Betty tinha material suficiente para dar início – em seu favor – sobre o processo de divórcio com James. Além da fotografia dele tentando beijar outra mulher a encolha, agora Betty tinha confirmação por documento – as cartas que ela o enviava em 1955 junto dos papéis da clínica de psicologia que comprovavam envolvimento de paciente e doutora – e então a prova por voz do telefone da psicóloga de James de que ele havia traído Betty e engravidado sua amante.
– Ok, acho que encerramos por aqui – O advogado diz preparando sua mala com os aparelhos de gravação telefônica, mas antes, confirma – Você vai querer prestar denúncia contra ele por uso de drogas?
– Eu preciso? – Betty questiona.
– Bom, se você não o fizer, o próprio juiz pode – O advogado continua. – O senhor Lancaster, nesta altura, já nem deve possuir recursos para pagar a fiança, então com ou sem a sua denúncia ele pode ir preso.
Betty fica reflexiva sobre a proposta, mas não como "eu devo denunciá-lo ou espero atitudes de terceiros?" e sim sobre "como posso mostrar uma gravação que diz que ele usa heroína e ainda assim não o prender?". Ela não era uma bruxa de histórias de contos de fadas tão pouco uma princesa que assassinava o vilão. Ela sabia que precisava ter postura madura e consciente do que iria encarar, por mais cruel que James tenha sido à ela e usado de seu dinheiro para a navegar nas águas sombrias da vida, ela tinha que dar mais um pedaço de si para ele ou então ele seria assombrada todos os seus "e se?" de não tê-lo salvo. Ela precisava de mais um ato de sacrifício.
– Deixe que o juiz o denuncie – Ela fala pegando sua bolsa e checando sua carteira – Quanto vai custar a fiança?
Estava decidido. Betty faria uma última doação em nome de James como forma de sacrifício do seu orgulho, o salvando de uma vida trágica encarcerada.
E do outro lado do oceano, a moça de cabelos castanhos se prepara para a última etapa do sacrifício que ela faria do último vestígio que James deixou fisicamente em seu corpo. No dia seguinte, chegando ao consultório O doutor perguntou "vai prosseguir com a gestação?" sua resposta foi incisiva.
– Não.
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folklore
RomanceUm conto que se torna folclore é passado adiante e sussurrado pelos cantos. Ás vezes, ele é cantado. E ás vezes, ele é reescrito, com outro olhar, por outras pessoas de outras épocas e outros lugares, mas sempre mantendo sua essência de ter suas his...