chasing shadows

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Ainda perdida em suas leituras de processos judiciais e devaneios emocionais, Betty repousava naquela janela como alguém costuma repousar num colo de mãe. Absorvendo o calor que as palavras dos livros a oferecia e usando seu cardigã para se proteger do frio que as vezes invadia a casa pelas outras janelas, sem ser a que ela estava. Era metade de Setembro, começo de Outono, e ela estava se lembrando de como o verão foi seco e árido com ela.

Julho de 1967, 2 meses atrás

Betty tinha passado na casa de seus pais e a notícia de seu divórcio lhes causou espanto. Não era nada normal uma jovem de família rica pensar em coisas assim, entrar na onda de direitos e liberdade soava como cuspes na cara de toda a fortuna que aquela família construiu seguindo seus princípios. Princípios estes que seu pai fez questão de reforçar.

– Você não é mais uma garotinha! – Ele exclamava batendo o punho na mesa de jantar – Não irei passar a mão na sua cabeça para quaisquer infantilidades que fizer!

– Infantilidade me divorciar do homem que me tratou feito um pedaço de merda?! – Ela fala indignada com a expressão do pai.

– INFANTILIDADE COM SUA FAMÍLIA, REBEKAH! – Ele grita com a jovem fazendo ela serrar as mãos em forma de punho para conter os gritos que ela queria dar.

– Minha família não liga pra mim, pai – Ela diz em tom baixo mordendo seu lábio inferior e deixando o senhor em choque com as palavras – Eu sei como a sua família me olha, papai... Eu sei como olhavam pra você e pra mamãe e eu sei que até hoje eles não se conformam com seu casamento com uma mulher negra.

– Ah, Rebekah, por favor, não! Não venha me citar essas coisas de classe, raça...

– MAS PAI, SÓ PORQUE O SENHOR NÃO VÊ AS PESSOAS ASSIM NÃO QUER DIZER QUE ELAS NÃO SÃO VISTAS POR OUTROS! – Betty diz deixando as lágrimas saírem de uma vez.

Ela se sentia como alguém que tirava um enorme peso de suas costas por finalmente falar ao pai algo que corroía seu estômago faziam anos e ele ignorava com seu negacionismo de que "todos somos iguais", mas Betty sabia que as coisas não funcionavam assim. Nunca funcionou para ela.

– Eu... Eu não aguento mais ver como você e mamãe fingem que somos normais, que somos uma família perfeita e que não podemos lidar com nossos defeitos como todos!

– Nunca fingi que somos perfeitos, querida! Eu só quero o seu bem!

– Meu bem é ser eu mesma, pai – Betty diz suspirando e o senhor sente suas muralhas se decepando ao ver as lágrimas da filha – Eu quero isso... Eu preciso me separar dele. Me desculpem.

– Não peça desculpas, filha – Sua mãe fala aparecendo na entrada da cozinha. Ela tinha saído ao perceber que Betty e seu pai iriam discutir e ela não gostava de se meter nas conversas de ambos, mas dessa vez, ela tomou uma posição clara – Querido, Betty não é mais uma menininha e você sabe que o mundo está diferente.

– Mas nós dois conseguimos suportar nossos erros, Joceline! – O pai de Betty fala se levantando e indo até a esposa – Eu te pedi desculpas, nós levamos tempo, mas nos ajustamos... O fim de um casamento é algo que não tem mais volta!

– Allen... Querido... Quer mesmo que nossa filha sofra o que sofri na minha adolescência? – Ela solta as palavras junto de uma lágrima – Você me quebrou de forma tão imperdoável e sabe disso... Sua família te apoiou a isso de forma que nem soube como explicar! Nem pude imaginar como teríamos essa linda garota nos dias de hoje!

– Eu sei que errei, mas... Mas ela ainda tem muito que pensar sobre a vida! Ela é jovem e não sabe como os relacionamentos funcionam!

– Eu sabia de muita coisa ainda jovem, papai.

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