Estou em Los Angeles.
Onde o sol costuma ser presente, as margaridas são constantes e os sorrisos dominam todos, exceto quando há um enterro na rua da cafeteria que todos do bairro costumam ir, ainda mais quando esse enterro é daquela que os moradores encaravam com pena e com discrepância. Eles eram um tanto controversos, por me fazerem chorar em vida e se reunirem em fila para ficarem em silêncio naquela sala, aquele enorme salão de cor carvalho com janelas sendo invadidas pela luz do sol.
Essa cidade parecia menor quando grandes nomes que eu conhecia ali, que a primeira impressão, pareciam se reunir para chorarem a minha ausência, mas como eu sentia através da verdade imoral que eles tentavam velar com os olhares de contemplação da última desgraça em minha vida. Eles estavam ali apenas para obterem a confirmação e concretização de todas as pragas que me rogaram durante minha existência.
O rancor no qual me segurei para viajar no tempo estava dentro de mim.
Na plateia os rostos eram mais comuns e triviais que eu pensava que fossem, a cidade de Los Angeles sempre foi cercada por cidadãos genéricos e supérfluos, soube disso desde que me reconheci como gente, mas haviam olhares que eu captei como sempre soube captar em minha vida, eu simplesmente os reconhecia.
Os olhos de uma mulher traída pelo herói de sua infância e que aprendeu a ter seu coração quebrado, mas nunca pela mesma mão, que deu a volta por cima para sobreviver testemunhar o carma e para contar sua própria história. Admiro essa mulher, se pudesse voltar a viver e pagar minha divida com ela, eu o faria.
Os olhos de um irmão desolado e dominado pelo sentimento de angústia e derrota, com sua esposa ao lado e em seus braços os olhos de inocência de uma bebê que nem sabia o que acontecia, pois chorava de forma desesperada em alguns momentos pedindo por colo.
Dessa vez choro, e as lagrimas queimam como fogo. Sinto ciúmes dos braços que a seguram, pois eu era quem deveria a segurá-la, mas a reação química no meu corpo completamente biológico que me fez sua vítima não me deixou ver isso.
Me arrependo do que fiz. Quero voltar a vida por ela, apenas por ela, minha filha não deveria ter o ciclo natural da vida bagunçado assim mesmo sendo tão jovem, jovem demais até para entender que estava presenciando o funeral de sua mãe. Analisando as circunstâncias nas quais minha própria mãe morreu em contraste com minha própria morte, agora vejo como fui vítima de meu atormentado e de seu amor sem fé. Em contraste com o amor genuíno de meus pais, tudo o que eu tive foi uma farsa.
Sinto a presença de meu atormentador se aproximar do ambiente, quando vejo seu olhar cansado da longa viagem que fez desde a França até aqui, vejo o reflexo de meus próprios olhos enquanto ainda estava viva. Aquele olhar de arrependimento era algo que me retorcia a espinha, fazia meus olhos tremerem e minha boca queria soltar as palavras mais sujas possíveis para poderem o xingar. Suas lágrimas eram de crocodilo, sua tristeza nada mais era que culpa consigo mesmo.
Ele estava ali, não por mim, mas pela idealização que fez da minha pessoa.
Eu não tinha o necessário dentro de mim para ir com graça, ele sabia daquilo, mas ver de longe o meu corpo em um vestido branco com flores entre meus braços que se cruzavam sob meu peitoral o fez ter noção de quão longe a sua obscuridade ia. James não estava ali para ou pela a minha pessoa, mas sim pela mulher que ele me transformou.
Por um lado, sinto falta da época de Agosto, onde eu tinha a esperança de que ele poderia ser mais do que um romance de verão, mais do que somente um parceiro de bebidas e sexo. James era como meu confidente, eu não pude não imaginar que seríamos melhores amigos. Parece o apelo de uma garotinha de 10 anos que teve seu coração quebrado no jardim de infância, mas era exatamente isso que eu sentia por ele. Um amor juvenil, um amor inocente e que eu finalmente soube que era amor quando eu sentia que podia confiar nele todos os meus segredos.
Por outro lado, quero atormentá-lo por todo o resto de sua mortalidade, pois sei que depois de ler as cartas que escrevi, minha paixão se tornou a tempestade que ele se arrependeu de um dia ter dançado nela. Onde eu me tornei um fardo que ele teve de carregar pelo resto da adolescência e fingiu ter me superado até finalmente ter conseguido esquecer meu nome. Talvez esse seja o motivo de meu nome nunca ter sido mencionado nessa narrativa. Porque nela, eu sou a personagem que não deixa nada para trás como se nem existisse, seja em vida, ou em morte.
Como pôde fazer isso comigo James? Eu te venerei como um herói de guerra. Vi suas cicatrizes e beijei seu crime, participando dele como cúmplice para depois ser presa no seu lugar. Entendo por que me chamava de criança, você é mais velho, mas não mais sábio que eu, pois estar aqui e agora foi a decisão mais tola que já teve em sua vida. Minha cólera sob você vai além de arrependimento por um dia ter feito de você meu templo, meu mural, meu céu... E agora apareço na nota de rodapé da sua história, sendo "a amante dele" ou "a mãe da filha que desistiu".
O pior disso tudo é que estou implorando para continuar sendo essa nota de rodapé, insignificante e invisível, mas presente de certa forma.
Atravesso essas memórias como atravesso o tempo, como atravesso as paredes e muralhas que não me impediam de ouvir o que as pessoas sussurravam, de que pessoas como eu que não seguem suas leis, suas dogmas e não se encaixam em seu modelo de apropriação emocional sempre terão esse fim. Posso ter dito que o peso de suportar a manipulação e as cicatrizes fora terrível, a luta foi incansável até que entreguei minha arma ao inimigo, deixei ele usar da pedra de diamante que um dia o dei como se fosse uma arma, na qual ele me atingiu em cheio.
Assisto enquanto ele atravessa meu corpo, como se eu fosse apenas um vestígio inexistente tanto em sua vida como para toda minha existência na Terra. Enquanto chorava por minha filha, tinha me esquecido que eu não passava apenas de um fantasma, as emoções que me bagunçavam por dentro faziam-me sentir mais viva que nunca.
E então o vejo se aproximar de meu caixão. Quando a ponta de seus dedos toca a madeira do caixão, vejo a primeira lágrima escorrer pelo seu rosto e como resposta sinto uma lágrima fantasmagórica escorrer pela minha. As lágrimas deles reverberavam em mim e tudo o que eu queria fazer em troca era fazer das minhas lágrimas ricochetearem contra as costas dele, que pesassem nele como uma cruz que ele teria que carregar até o seu calvário.
Me aproximo, sinto a vergonha dentro dele, mas por fora todos apenas enxergavam as aparências que ele lutava para manter. Dentro de sua mente ele pode ter sido culpado por minha morte indiretamente, mas ele ainda me julgava como egoísta. Ele deseja que eu tivesse ficado, porque isso o livraria da culpa que sentia, mas bem lá no fundo ele sentiria minha falta.
Quando ele se vira para tomar seu lugar em uma das cadeiras na primeira fila, seu olhar se cruza com o de seu irmão, dentro dele o vejo o responsabilizar, jogando a culpa que sentia para o próprio irmão. Identifico os ciúmes que riscava todos os bons anos.
"Até no meu pior dia, eu mereci, querido, todo o inferno que você me deu?" eu sussurro no ouvido de James e sei que ele me sentiu. Sinto o medo invadir o corpo dele. "porque eu te amei, juro que eu te amei até o dia da minha morte".
As lágrimas de meu atormentador caem mais grossas quando meu pai adotivo sobe ao altar e começa a recitar um sermão bíblico em minha memória, e percebo que essa é a primeira vez que sou capaz de sentir como o velho homem se sentia sobre mim, quando acesso seus sentimentos, me surpreendo, pois não era nada do que esperava: dentro de sua mente e coração tinha arrependimento e as memórias de quando ele me viu pela primeira vez em um orfanato local.
Pena que agora era tarde demais.
De fato, o carma nunca falhava. Eu mesma estava pagando pelos meus pecados com uma decisão de morte precoce, e com boa sorte todos aqueles que erraram comigo pagariam pelos os deles também, mas ao contrário de mim, todos eles pagariam em vida.
Eu mesma me asseguraria disso.
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RomantikUm conto que se torna folclore é passado adiante e sussurrado pelos cantos. Ás vezes, ele é cantado. E ás vezes, ele é reescrito, com outro olhar, por outras pessoas de outras épocas e outros lugares, mas sempre mantendo sua essência de ter suas his...