tell yourself you can always stop

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Sentada em frente ao espelho quebrado, era apenas ela e seu próprio reflexo a encarando fixamente de volta. Não sabia o que era pior: o espelho trincado refletindo milhões versões dela mesma ou o julgamento que seus olhos direcionavam a cada uma delas. A psicóloga havia jogado um vaso contra o espelho da sua penteadeira favorita semanas atrás quando lutava contra seus sentimentos. Mas hoje, em cenário diferente, ela havia acabado de tomar um banho e se maquiar especialmente para alimentar esses tais sentimentos dentro de seu peito.

Ao fechar os olhos com força ela se imagina gritando. Gritando para James. Gritando tudo aquilo que não ela deveria gritar na cara dele se ela não fosse uma mulher idiota, ela pensa.

Dois meses antes.

Baby se sentia mal e ela culpava James por isso. Havia acabado de praticamente expulsar um cara de seu apartamento depois de enchê-lo de perguntas como "você tem namorada?" "você tem certeza disso?" "você casado?". E pior, havia recebido uma resposta incisiva mas era a resposta mais decente que uma pessoa sensata poderia dar: "se eu já não estaria aqui se tivesse apenas uma namorada, menor ainda seria a possibilidade de eu estar aqui se tivesse uma esposa, não sei com que tipo de cara você tem se relacionado, mas se eles são desse tipo, certamente não são decentes". Ela estava constrangida, enxergando agora o padrão existente em suas indagações: todas eram direcionadas ao atual estado civil de James.

Conclusão, no ponto de vista dela, é tudo culpa de James e daquelas consultas que já deviam ter acabado a muito tempo. Já era a terceira consulta, uma por semana e ela iria colocar um ponto final nisso na próxima vez que encontrasse ele.

– Nunca havia sofrido ansiedade sobre esse tipo de coisa antes, sabe? Filhos, herança, legado, mas agora isso costumava me assombrar de um jeito bem fodido, agora parei de me importar. – Ela escutou James revelar em sua segunda sessão.

– Eu me sinto bastante carente, então eu desconto tudo no álcool, mas não quero que ela pense que estou descontrolado, que sou refém da bebida. Tenho sido cuidadoso nisso, tenho tudo sobre controle. – James fala admite em sua terceira sessão, e a mulher tenta acompanhar as declarações dele enquanto anota suas análises no caderno em seu colo.

– Você fala sobre carência, pode me explicar melhor sobre isso? – Ela fala mantendo seus olhos focados em suas anotações.

– Ela se recusa a fazer sexo comigo. – James é direto como uma bala.

A médica fica tensa com o tópico se arrependendo de ter feito a pergunta anterior. Ela não se sente confortável em saber da vida sexual de seu paciente, tal desconforto lhe fazendo lembrar o porquê nunca queria começar tais consultas em primeiro lugar.

– Me lembro de você dizer que vocês estavam tentando ter filhos, mas não conseguiam... – ela comenta por falta de algo melhor para dizer, balançando nervosamente a caneta entre seus dedos.

– Essa é a questão, ela só quer fazer sexo comigo por causa disso, na maioria do tempo ela tá sempre me evitando e eu, bem, sinto falta do afeto e paixão dos nossos primeiros anos – James admite.

– Vocês já tentaram conversar sobre isso? Terapia em casal, talvez? – Ela indica se recusando em olhá-lo nos olhos e ele compreende a delicadeza do assunto para os dois.

– A gente costumava brigar sobre isso, mas agora o silêncio é uma opção menos cansativa. – James fala com sua voz reprimindo uma risada.

Quando chega o dia da quarta sessão entre eles, James adentra a sala e se surpreende ao encontrar a mulher com de costas para ele, mas com uma mão apoiada no vidro da janela, enquanto observava a cidade. A luz do sol que vinda de fora da sala fazendo uma aura em volta dela, os cabelos tingidos de castanho ganhando uma coloração um pouco avermelhada. Ela nunca estava na sala quando ele chegava.

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