Curado

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— Cas... 

— Nós não temos tempo. Eu mesmo faria isso, mas não posso pegar o ângulo certo. Não há outro meio. 

— Eu não acho que consiga... fazer isso. 

— Nem pelo Jack? — Empurrei o lado bom do meu rosto com toda a força que
podia contra o apoio de cabeça do banco do carona e fechei os olhos. 

Sam estava segurando a pedra irregular do tamanho de um punho, que eu havia encontrado. Ele a estivera pesando na mão por cinco minutos. 

— Você só precisa tirar as primeiras camadas de pele. Só para esconder a cicatriz, nada mais. Vamos logo, Sam, nós temos de correr. Jack... 

Fale que estou dizendo para ele bater agora. E para bater direito. 

— O Gabe está dizendo para bater agora. E para tratar de bater com força suficiente. Fazer o que é preciso logo da primeira vez. 

Silêncio. 

— Bata, Sam! 

Ele respirou fundo, um arquejo. Eu senti o ar se mover e apertei mais os olhos.
Houve uma chicotada e um baque — foi o que percebi primeiro —, e então o
impacto do golpe se dissipou, e eu comecei a senti-lo, também. 

— Aaai — gemi. Eu não queria ter feito nenhum barulho. Sabia que isso tornaria tudo mais difícil para ele. Mas tanta coisa era involuntária com este corpo. Lágrimas brotaram nos meus olhos, e eu tossi para esconder um soluço. Minha cabeça ressoava,
vibrava após o primeiro abalo. 

— Cas? Gabe? Eu sinto muito! 

Seus braços nos puxaram para o peito dele. 

— Está tudo bem — choraminguei. — Nós estamos bem. Você pegou tudo? 

A mão dele tocou meu queixo, virou minha cabeça. 

— Ahh — arquejou ele, aflito. — Eu arranquei metade do seu rosto. Sinto muito. 

— Não, isso é bom. É bom. Vamos. 

— Certo. — Sua voz ainda estava entrecortada, mas ele me reclinou de volta no banco, ajeitando-me cuidadosamente, e então o carro roncou debaixo de nós.

Uma lufada de ar gelado soprou no meu rosto, surpreendendo-me, ardendo na bochecha ferida. Eu tinha esquecido como era o ar-refrigerado.
Abri os olhos. Estávamos passando por um leito seco e liso — mais liso do que
deveria ser, cuidadosamente alterado para ser assim. Ele serpenteava à nossa frente, enroscando-se no mato. Eu não pude ver muito longe.
Abaixei o quebra-sol e abri o espelho. Na escuridão do luar, meu rosto estava preto e branco. Preto em todo o lado direito, escorrendo por meu queixo, pingando no pescoço e empapando a gola da camiseta nova, limpinha.
Meu estômago se contraiu. 

— Bom trabalho — sussurrei. 

— Está doendo muito? 

— Muito, não — menti. — De qualquer modo, não vai doer muito tempo. A que
distância estamos de Tucson? 

Nesse momento, chegamos ao asfalto. Engraçado como a visão do asfalto fez meu coração disparar em pânico. Sam parou, mantendo o carro escondido no mato. Ele saiu e removeu os encerados e as correntes do para-choque, e os colocou na mala. Em seguida voltou e fez o carro avançar devagar, verificando cuidadosamente se a rodovia estava vazia. Acendeu os faróis. 

— Espere — sussurrei. Eu não conseguia falar mais alto. Estava me sentindo muito exposto ali. — Deixe-me dirigir. 

Ele olhou para mim. 

A Hospedeira/DestielOnde histórias criam vida. Descubra agora