Interrogado

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Eu matei Kevin. 

Minhas mãos, arranhadas, machucadas e tingidas com poeira púrpura durante o descarregamento desenfreado, podiam igualmente estar pintadas com o vermelho do sangue dele. 

Kevin estava morto, e era culpa minha quanto se eu mesma tivesse puxado o gatilho.
Todos nós, exceto cinco, estávamos reunidos na cozinha, agora que o caminhão tinha sido descarregado, comendo alguns dos alimentos perecíveis que tínhamos
apanhado na última viagem de compras — queijo e pão fresco com leite — e escutando
Bob e Doc explicarem tudo para Sam, Dean e Adam. 

Eu me sentei a uma curta distância dos outros, minha cabeça nas mãos, entorpecido, triste e culpado demais para fazer perguntas. Jack estava comigo. De tempos em
tempos, ele acariciava minhas costas. 

Kevin já estava enterrado na gruta escura, ao lado de Joshua. Havia morrido quatro dias atrás, no dia em que Sam, Dean e eu tínhamos ficado olhando aquela família no
parque. Eu nunca mais veria meu amigo, nunca mais ouviria a voz dele... 

As lágrimas caíam na pedra abaixo de mim, e as carícias de Jack ganharam mais ritmo. 

Alastair e Uriel não estavam ali. 

Eles tinham levado o caminhão e o furgão para os seus esconderijos. E trariam o jipe de lá para a sua tosca garagem habitual, depois teriam de andar o resto do caminho até
casa. Eles estariam de volta antes de o sol nascer.
Amara não estava ali. 

— Ela não... está muito bem — tinha murmurado Jack quando me vira
examinando a cozinha à procura dela. 

Eu não queria saber mais nada. Podia imaginar bastante bem.
Benny e Victor não estavam ali. 

Benny agora ostenta uma pequena cicatriz circular cor-de-rosa no espaço vazio abaixo da clavícula. A bala errara o coração e os pulmões por um triz, e então quase varara a escápula, tentando escapar. Doc tinha usado a maior parte do estoque de Curar
para extraí-la. Benny estava bem agora. 

A bala de Kevin tivera alvo mais certeiro. Tinha perfurado sua testa de pele olivácea e arrancado a parte posterior de sua cabeça. Não havia nada que Doc pudesse ter feito,
mesmo que estivesse bem ao lado dele na hora, com um frasco de Curar à sua
disposição. 

Benny, que agora carregava num coldre ao quadril o troféu pesado do encontro,
estava com Victor. Eles estavam no túnel onde teríamos estocado nossos espólios, se o local não estivesse ocupado. Se não estivesse sendo usado como prisão novamente. 

Como se perder Kevin não fosse suficiente.
Parecia-me terrivelmente errado que os números fossem os mesmos. Trinta e cinco corpos vivos, exatamente como antes de eu vir para as cavernas. Kevin e Joshua tinham partido, mas eu estava ali. 

E agora também a Buscadora.
A minha Buscadora.
Se eu tivesse apenas ido direto para Tucson. Se eu tivesse apenas permanecido em San Diego. Se eu tivesse apenas evitado este planeta e ido para algum lugar
inteiramente diferente. Se eu tivesse me dedicado a ser Mãe, como qualquer uma teria feito depois de cinco ou seis planetas. Se, se, se... Se eu não tivesse vindo para cá, se não tivesse dado à Buscadora os indícios de que ela necessitava para vir atrás, então Wes
estaria vivo. Ela demorou mais que eu para descobri-los, mas quando descobriu, não precisou persegui-los com cautela. Saiu em disparada pelo deserto num SUV 4x4, cobrindo de cicatrizes recentes e radiantes a frágil paisagem, cada passagem chegando
mais perto. 

Eles tinham de fazer alguma coisa. Eles tinham de detê-la.
Eu matara Kevin. 

Eles ainda teriam me pegado primeiro, Cas. Eu os trouxe aqui, não você. 

A Hospedeira/DestielOnde histórias criam vida. Descubra agora