Emboscado

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As cavernas estavam calmas; o sol ainda não tinha se levantado. Na grande praça, os
espelhos, com a aurora que chegava, tinham um tom cinza-claro.
Minhas poucas roupas ainda estavam no quarto de Jack e Sam. Eu entrei sem
fazer barulho, feliz por saber onde estava Sam.  

Jack dormia profundamente, bem encolhido em posição fetal no canto superior do
colchão. Geralmente ele não dormia assim tão comprimido, mas no momento tinha
boas razões para fazê-lo. Dean estava esparramado em todo o espaço restante, os pés e as
mãos sobrando nas beiradas da cama, um membro em cada um dos quatro lados.
Por alguma razão, aquilo foi extremamente engraçado para mim. Eu tive de pôr a
mão na boca para conter a gargalhada enquanto pegava minha camiseta e o short velho,
tingido de terra. Parti com pressa para o corredor, ainda contendo a risada. 

Você está rindo de bobo, de tanto apanhar, disse Gabriel. Precisa dormir um pouco

--Eu durmo depois. Quando...- Não pude concluir o pensamento, que me despertou
instantaneamente, e tudo ficou silencioso outra vez. 

Eu ainda estava correndo enquanto seguia para a sala de banhos. Confiava em Doc,
mas... Talvez ele mudasse de ideia. Talvez Sam argumentasse contra o que eu queria.
Eu não podia ficar ali o dia todo.
Pensei ter ouvido algo atrás de mim quando cheguei ao entroncamento em forma de
polvo onde todos os corredores de dormitórios se encontravam. Olhei para trás, mas
não consegui ver ninguém na entrada escura. As pessoas estavam começando a acordar.
Logo estaria na hora do café da manhã e de outro dia de trabalho. Se tivessem
terminado com os talos do milho, os canteiros do leste teriam de ser lavrados. Talvez
eu tivesse tempo para ajudar... mais tarde...
Segui o caminho familiar até os rios subterrâneos, minha mente em milhões de
outros lugares. Aparentemente, não conseguia me concentrar em nada em particular.
Toda vez que tentava focalizar um assunto — Joshua, Sam, café da manhã, tarefas,
banhos — algum outro me desviava a cabeça em segundos. Gabriel tinha razão; eu
precisava dormir. Ele estava tão confuso quanto eu. Seus pensamentos vagavam todos
em torno de Sam, mas ele também não conseguia fazer nada de coerente com eles. 

Eu estava habituado à sala de banhos. A escuridão total não me incomodava mais.
Tantos lugares eram negros ali. Metade do meu dia era vivido no escuro. E eu tinha
estado ali muitas vezes. Nunca havia nada à espreita sob a superfície da água, esperando
para me puxar para baixo.
Contudo, eu sabia que não tinha tempo para me estender. Os outros logo estariam
de pé, e algumas pessoas gostavam de começar seu dia limpas. Comecei a agir, primeiro
me lavando, passando em seguida às minhas roupas. Esfreguei a blusa furiosamente,
desejando poder lavar da memória as duas noites anteriores.
Minhas mãos doíam quando terminei, as lesões secas nos nós dos dedos ardiam
mais que tudo. Eu as enxaguei, mas isso não fez nenhuma diferença visível. Dei um
suspiro e subi à borda para me vestir.
Eu tinha deixado minhas roupas secas sobre as pedras soltas no fundo do cômodo.
Chutei uma pedra por acidente, forte o bastante para machucar meu pé descalço, e ela
voou com um estrépito alto que encheu a sala, ricocheteando na parede e caindo com
um gorgolejo na piscina. O barulho me fez dar um pulo, embora não fosse tão alto ao
lado do bramido do rio quente na outra sala.
Eu estava enfiando os pés nos meus tênis surrados quando meu tempo acabou. 

— Toc, toc, toc — disse uma voz familiar da entrada escura. 

— Bom-dia, Dean — disse. — Acabei de terminar. Você dormiu bem? 

— Dean ainda está dormindo — respondeu a voz de Dean. — Mas tenho certeza de
que não vai dormir para sempre, então é melhor a gente andar logo com isso. 

Minhas juntas congelaram no lugar. Eu não conseguia me mexer. Não conseguia
respirar.
Eu tinha notado isso antes, mas por causa das longas semanas de ausência de Adam,
havia esquecido: não só Dean e o irmão eram muito parecidos, como — quando Adam 
falava em tom normal, o que só acontecia muito raramente — eles também tinham
exatamente a mesma voz.
Não havia ar. Eu estava presa naquele buraco negro com Adam na porta. Não havia
saída. 

A Hospedeira/DestielOnde histórias criam vida. Descubra agora