— Gabe? — perguntou Sam outra vez, a esperança que ele não queria sentir colorindo
seu tom de voz.Minha respiração ficou presa em mais um soluço, um tremor secundário.
— Você sabe que era com você, Gabe. Você sabe disso. Não era com... a coisa. Você
sabe que eu não estava beijando a coisa.Meu soluço seguinte foi mais alto, um gemido. Por que ele não podia calar a boca?
Tentei controlar minha respiração.— Se você está aí dentro, Gabe... — Ele parou.
Gabriel detestou o "se". Um soluço irrompeu pelos meus pulmões, e arquejei
buscando ar.— Eu amo você — disse Sam. — Mesmo que você não esteja aí, que não possa me
ouvir. Eu amo você.Segurei a respiração outra vez, mordendo o lábio até sangrar. A dor física não me
distraiu tanto quanto desejei que distraísse.
Estava silencioso do lado de fora do buraco, e depois silencioso dentro do buraco
também, conforme fiquei melancólico. Prestei bastante atenção, concentrada apenas no
que podia ouvir. Eu não pensaria. Não havia som algum.
Eu estava retorcido na mais impossível das posições. Minha cabeça estava no ponto
mais baixo, o lado direito do meu rosto comprimido contra o chão áspero de pedra.
Meus ombros estavam inclinados sobre a beirada amassada de uma caixa, o direito mais
alto que o esquerdo. Meus quadris faziam ângulo ao contrário, minha panturrilha
esquerda imprensada contra o teto. Lutar com as caixas deixara suas contusões — eu
podia senti-las se formando. Sabia que tinha de encontrar algum jeito de explicar a Dean
e a Jack que eu mesma tinha feito aquilo comigo, mas como? O que deveria dizer?
Como poderia contar a eles que Sam havia me beijado para realizar uma experiência,
como dar um choque elétrico num rato de laboratório para observar a reação?
E quanto tempo teria de me manter naquela posição? Eu não queria fazer nenhum
barulho, mas tinha a impressão de que minha coluna se partiria num minuto. A dor
ficava mais difícil de suportar a cada segundo. Eu não seria capaz de aguentá-la em
silêncio por muito mais tempo. Logo uma lamúria estava brotando em minha garganta.
Gabriel nada tinha a me dizer. Ele se dedicava em silêncio a seu próprio alívio, a sua
própria fúria. Sam havia falado com ele, finalmente reconhecendo sua existência. Tinha
dito que o amava. Mas ele me beijara. Ele estava tentando se convencer de que não havia
razão para ficar magoado com isso, tentando acreditar em todas as razões palpáveis
pelas quais aquilo não era o que parecia. Tentando, mas ainda sem conseguir. Eu podia
ouvir tudo, mas era internamente controlado. Ele não estava falando comigo — no
sentido juvenil, trivial da frase. Eu estava levando um gelo.
Senti uma raiva desconhecida em relação a ele. Não como no começo, quando o
temia e queria erradicá-lo de minha mente. Não, eu experimentava agora meu próprio
sentimento de ser traído. Como ele podia estar zangado comigo pelo que havia
acontecido? Que sentido fazia? Como podia ser culpa minha, se eu tinha me apaixonado
por causa das memórias que ele me impusera, sendo então dominada por este corpo
incontrolável? Eu me preocupava que ele estivesse sofrendo, mas minha dor não era
nada para ele. Ele gostava. Cruéis humanos.
Lágrimas, bem menos abundantes que as outras, escorreram pelas minhas faces em
silêncio. A hostilidade dele para comigo fervia lentamente em minha mente.
De súbito, a dor nas minhas costas machucadas e torcidas foi demais. A gota-
d'água.— Aii — resmunguei, buscando apoio entre pedra e papelão ao empurrar-me para
trás.Eu já não me preocupava com barulhos, só queria sair. Jurei para mim mesmo que
nunca mais cruzaria a entrada daquele poço desgraçado — antes, a morte. Literalmente.
Foi mais difícil serpentear para sair do que havia sido o mergulho para entrar. Eu
me agitei e contorci até sentir que estava tornando as coisas piores, torta na forma de
um pretzel assimétrico. Comecei a chorar novamente, como uma criança, com medo de
nunca mais me livrar daquilo.
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A Hospedeira/Destiel
Science FictionNosso Planeta foi tomado por um inimigo que não pode ser detectado. Gabriel Novak se recusa a desaparecer e quando ele é capturado tem a certeza que é o fim. Castiel, a "alma" invasora designada para o corpo de Gabriel encontra dificuldades para tom...