Encarregados

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A borda da saída de pedra estava gasta, mas arranhei a palma das mãos e as canelas ao passar por ela. Doeu, duro como eu estava, para ficar ereto, e foi penoso respirar. Minha cabeça tonteou quando o sangue fluiu para baixo.
Só procurei uma coisa — onde estava Sam, para que pudesse me pôr entre ele e seus agressores.
Eles todos ficaram paralisados no lugar, olhando fixo para mim.
Sam estava com as costas na parede, as mãos cerradas em punhos que ele mantinha baixos. Diante dele,
Adam estava agachado, apertando o estômago. Dean e outro estranho o flanqueavam poucos centímetros atrás, a boca aberta com o espanto. Tirei vantagem da surpresa deles. Em duas passadas longas e trêmulas, coloquei-me entre Adam e Sam.
Adam foi o primeiro a reagir. Eu estava a menos de meio metro dele, e seu instinto primário foi me empurrar. A mão dele bateu em meu ombro e me empurrou para o chão. Antes que eu pudesse cair, algo reaprumando-
me sobre meus pés.
Assim que compreendeu o que tinha feito, Sam soltou meu punho, como se minha pele escorresse ácido.
— Volte para dentro — bramiu para mim. Ele empurrou meu ombro também, mas não tão forte quanto o empurrão de Adam. Mandou-me cambaleante meio metro para
trás, de volta ao buraco na parede.
O buraco era um círculo negro no corredor estreito. Fora da pequena prisão, a caverna maior parecia exatamente a mesma coisa, porém mais longa e mais alta, um
tubo em vez de uma bolha. Uma pequena lâmpada no chão — eu não podia imaginar que força a alimentava — iluminava debilmente o corredor. A luz projetava estranhas
sombras nas feições dos homens, transformando-as em carrancas de monstros zangados.
Dei um passo na direção deles outra vez, voltando minhas costas a Sam.
— Sou eu que você quer — disse para Adam. — Deixe-o em paz.
Ninguém disse nada por um longo segundo.
— Canalha traiçoeiro — resmungou Dean finalmente, os olhos esbugalhados de terror e repugnância.
— Eu disse para voltar lá para dentro — ralhou Sam atrás de mim.
Eu me virei um pouco, sem querer Adam fora do meu ângulo de visão.
— Não é seu dever me proteger às suas expensas.
Sam fez uma careta, uma das mãos se erguendo para empurrar-me de volta para a cela outra vez.
Saltei para desviar; o movimento foi na direção dos que queriam me matar.
Dean agarrou meus braços e os segurou atrás de mim. Lutei instintivamente, mas ele era muito forte. Forçou demais minhas juntas para trás, e arquejei.
— Tire suas mãos de cima dele! — gritou Sam, atacando.
Adam segurou-o e o fez girar num golpe de luta romana, forçando o pescoço dele para a frente. O outro homem agarrou um dos braços de Jared, que se agitavam violentamente.
— Não o machuquem! — gritei. Eu fiz força contra as mãos que me prendiam.
O ombro livre de Sam golpeou o estômago de Adam, que ofegou e soltou a pegada.
Sam girou, afastando-se de seus agressores, e então se projetou de volta, o punho acertando o nariz de Adam. Vermelho-escuro, o sangue borrifou a parede e a pequena lâmpada.
— Mate-o, Dean! — berrou Adam. Ele abaixou a cabeça e se arremessou contra Sam, jogando-o sobre o outro homem.
— Não! — gritamos Sam e eu no mesmo momento.
Dean soltou meus braços e suas mãos envolveram a minha garganta, sufocando e acabando com meu ar. Arranhei as mãos dele com minhas unhas curtas e inúteis. Ele me
apertou com mais força, fazendo meus pés saírem do chão.
Doía — o estrangulamento que as mãos provocavam, o pânico súbito de meus
pulmões. Era a agonia. Eu me contorci, tentando mais escapar da dor que das mãos assassinas.
Clique, clique.
Eu só tinha ouvido aquele som uma vez, mas o reconheci. E também todos os demais. Todos ficaram paralisados, Dean com as mãos travadas em volta do meu pescoço.
— Adam, Dean,Benny afastem-se! — bradou Bob.

Ninguém se moveu — só as minhas mãos, ainda unhando, e meus pés, se debatendo no ar.
Sam soltou-se subitamente sob o braço imóvel de Adam e saltou sobre mim. Eu vi seu punho voando para meu rosto e fechei os olhos.
Uma pancada forte soou centímetros atrás de minha cabeça. Dean gritou de dor, e eu caí no chão. Ali mesmo aos pés dele, ofegante. Sam recuou após um olhar zangado em minha direção e foi postar-se ombro a ombro com Bob.

— Vocês são hóspedes aqui, rapazes, e não se esqueçam disso — rosnou Bob. — Eu lhes disse para não procurarem o garoto. Ele e meu hóspede também, por enquanto, e não aceito que nenhum de meus hóspedes mate nenhum dos outros.

— Bob — queixou-se Dean acima de mim, a voz amortecida pela mão que segurava a boca. — Bobby. Isso é uma loucura.

— Quais são seus planos? — perguntou Adam. O rosto dele estava sujo de sangue, uma visão violenta, macabra. Mas não havia indício de dor em sua voz, só de uma raiva controlada e candente. — Temos o direito de saber. Precisamos decidir se este lugar é seguro ou se está na hora de ir embora. Então... por quanto tempo você vai guardar essa coisa como bicho de estimação? O que vai fazer com ele quando tiver terminado de brincar de Deus? Todos nós merecemos respostas para essas perguntas.

As palavras incomuns de Adam ecoaram por trás do pulso latejando na minha cabeça.
Guardar-me como bicho de estimação? Bob dissera que eu era seu hóspede... Era outra palavra para prisioneiro?
Era possível que existissem dois humanos que não pedissem a minha morte ou a minha confissão pela tortura? Se fosse verdade, tratava-se de nada menos que um milagre.

— Não tenho respostas, Adam — disse Bob. — Não cabe a mim responder.

Duvido que qualquer outra resposta que Bob pudesse dar os tivesse confundido mais.
Todos os quatro homens, Adam, Dean, aquele que eu não conhecia e até Sam o encararam pasmados. Eu ainda estava agachado ofegante aos pés de Dean, desejando que houvesse um meio de voltar para meu buraco sem ser notado.

— Não cabe a você? — ecoou finalmente Adam, ainda descrente. — A quem cabe, então? Se está pensando em colocar em votação, isso já foi feito. Dean, Benny e eu somos os encarregados, devidamente apontados pelo resultado.

Bob balançou a cabeça — um movimento leve que nem sequer por um instante desviou seus olhos do homem na frente dele.

— Não está aberto a votação. Isto aqui ainda é a minha casa.

— Quem então? — gritou Adam.
Os olhos de Bob oscilaram — para outro rosto e depois de volta para Adam.

— A decisão é de Sam.

Todos, inclusive eu, moveram os olhos para encarar Sam.
Ele olhou para Bob, tão surpreso quanto os demais, e cerrou os dentes, produzindo um ruído audível. Lançou um olhar de puro ódio na minha direção.

— Sam? — perguntou Adam, encarando Bob outra vez. — Isso não faz sentido- Ele estava fora de si agora, quase gaguejando de ódio. — Ele é mais tendencioso do que qualquer um aqui! Por quê? Como ele pode ser racional quanto a isso?

— Bob, eu não... — murmurou Sam.

— Ele é sua responsabilidade, Sam — disse Bob com voz firme. — Eu vou ajudá-lo, é claro, se houver mais problemas como este, e para ficarmos de olho nele e tudo o mais. Mas quando chegar a hora de tomar decisões, serão unicamente suas. — Ele ergueu uma das mãos quando Adam tentou protestar outra vez. — Olhe, Adam. Se
alguém encontrasse sua Lilith numa incursão e a trouxesse de volta para cá, você gostaria que eu, Doc ou uma votação decidisse o que fazer com ela?

— Lilith morreu — protestou Adam, o sangue escorrendo dos lábios. Ele olhou penetrantemente para mim quase com a mesma expressão de Sam ainda há pouco.

— Bem, se o corpo dela entrasse aqui, a questão ainda caberia a você. Você iria
querer que fosse de outro modo?

— A maioria...

— Minha casa, minhas regras — interrompeu Bob asperamente. — Chega de discussão sobre isso. Chega de votações. Chega de tentativas de execução. Vocês três espalhem a notícia; é assim que vai ser de agora em diante. Regra nova.

— Regra nova? — resmungou Dean num cicio.

Bob o ignorou.

— Se, por mais improvável que possa ser, de algum modo isso acontecer
novamente, aquele ou aquela a quem o corpo disser respeito, seja quem for, toma a decisão. — Bob deu uma cutucada com o cano da espingarda na direção de Adam e depois
o balançou uns poucos centímetros na direção do corredor atrás dele. — Saiam daqui. Não quero ver vocês em lugar nenhum perto daqui novamente. E contem a todo mundo que este corredor está interditado. Ninguém tem razão nenhuma para estar aqui a não ser Sam, e se eu pegar alguém andando às escondidas por aqui, faço as perguntas depois. Compreenderam? Vão. Agora.

A Hospedeira/DestielOnde histórias criam vida. Descubra agora