Passei rápido pelo entroncamento I-10 enquanto o sol se punha atrás de mim. Eu não vi muito mais que as linhas brancas e amarelas da pavimentação e a grande placa verde ocasional me enviando mais para o leste.
Estava com pressa agora.
Não tinha certeza exatamente de para que eu estaria com pressa. Para sair disso, suponho. Do pesar, da tristeza, do sofrimento de amores perdidos e impossíveis.
Isso significaria dizer sair deste corpo? Não conseguia pensar em nenhuma outra resposta.
Eu ainda faria as minhas perguntas ao Curandeiro, mas tinha a impressão de que a decisão estava tomada. Saltador. Molenga. Examinei as palavras em minha mente, tentando aceitá-las.
Se pudesse encontrar um meio, eu manteria Gabriel fora das mãos da Buscadora.
Seria muito difícil.
Não, seria impossível.
Eu tentaria.
Eu lhe prometi isso, mas ele não estava escutando. Ainda estava sonhando. Desista, pensei, agora é tarde demais para desistir de ajudar.
Tentei evitar o cânion vermelho na mente de Gabriel, mas eu estava lá. Por mais que tentasse ficar olhando para os carros que zuniam a meu lado, as naves que deslizavam rumo ao pouso, as poucas e belas nuvens à deriva nas alturas, eu não conseguia me desvencilhar completamente de seus sonhos. Memorizei o rosto de Sam
de mil ângulos diferentes. Observei Jack crescer de repente como um varapau, sempre pele e ossos.
Meus braços ansiavam pelos dois — não, a sensação era mais aguda que
uma dor, tinha corte de lâmina e era violenta. Insuportável. Eu precisava escapar.
Dirigi quase às cegas ao longo da autoestrada estreita de duas faixas. O deserto, se isso é possível, estava mais monótono e morto que antes. Mais maçante, mais sem cor.
Eu chegaria a Tucson muito antes da hora do jantar. Jantar. Eu não havia comido hoje, e meu estômago roncou quando percebi isso.
A Buscadora estaria esperando por mim. Meu estômago se contraiu então, a fome momentaneamente substituída pela náusea. Instintivamente, meu pé aliviou a pressão no acelerador.
Verifiquei o mapa no banco do carona. Logo eu chegaria a uma pequena parada num lugar chamado Picacho Peak. Talvez parasse para comer alguma coisa. Adiasse ver a
Buscadora por uns poucos momentos preciosos.
Quando pensei neste nome desconhecido — Picacho Peak —, houve uma reação estranha, reprimida da parte de Gabriel. Não consegui entender direito. Ele havia estado aqui antes? Procurei uma recordação, uma vista ou um odor que correspondesse, mas nada encontrei.
Picacho Peak.
Outra vez, houve uma pontada de
interesse que Gabriel reprimiu. O que essas palavras significavam para ele? Ele serefugiou em lembranças distantes, evitando-me.
Isso me deixou curioso. Acelerei um pouco, pensando se a vista do lugar não
desencadearia alguma coisa.
Um pico montanhoso solitário — nada tão enorme para os padrões normais, mas se agigantava acima dos morros baixos toscos mais perto de mim — estava começando
a ganhar forma no horizonte. Tinha um formato incomum, característico. Gabriel o observou crescer enquanto viajávamos, fingindo indiferença.
Por que ele fingia não se importar quando tão obviamente estava ligando? A força dele me incomodou quando tentei descobrir. Não consegui ver nenhum caminho para
escapar do velho paredão cego. Parecia mais espesso que o comum, embora eu tivesse pensado que quase havia desaparecido.
Tentei ignorá-lo, sem querer pensar naquilo — que ele estava ficando mais forte.
Em vez disso, permaneci olhando para o pico, seguindo seu contorno contra o céu pálido, quente. Havia algo familiar naquilo. Algo que eu estava certo de estar reconhecendo, mesmo tendo certeza de que nenhuma de nós estivera aqui antes.
Quase como se estivesse tentando me distrair, Gabriel mergulhou numa vívida
memória de Sam, pegando-me de surpresa.Tremo em minha jaqueta, estreitando os olhos para enxergar o clarão baço do
sol que morre atrás das árvores espessas e eriçadas. Digo a mim mesmo que não está tão frio quanto penso que está.
Meu corpo apenas não está habituado.
As mãos que repentinamente estão em meus ombros não me surpreendem,
embora eu tenha medo desse lugar desconhecido e não tenha ouvido a
aproximação silenciosa dele. O peso delas é familiar demais.
“É fácil se aproximar às escondidas de você.”
Mesmo agora, há um sorriso na voz dele.
“Eu vi que estava vindo antes de você dar o primeiro passo.” Digo sem me
virar. “Tenho olhos na nuca.”
Dedos cálidos acariciaram meu rosto das têmporas ao queixo, puxando fogo de minha pele.
“Você parece um dríade escondida aqui nas árvores”, sussurra ele em meu
ouvido. “Um deles. Tão bela que há de ser imaginária.”
“Devíamos plantar mais árvores em volta da cabana.”
Ele ri maliciosamente, e o ruído faz meus olhos se fecharem e meus lábios se abrirem num largo sorriso.
“Não precisa”, diz ele. “Você sempre vai parecer assim.”
“Diz o um dos unicos homens na Terra na véspera de sua separação.”
Meu sorriso murcha enquanto falo. Hoje sorrisos não podem durar.
Ele suspira. Seu hálito em minha face é frio comparado ao ar abrasador do
deserto.
“Jack não deve gostar dessa insinuação.”
“Jack ainda é um garoto. Por favor, por favor cuide da segurança dele.”
“Eu faço um negócio com você”, propõe Sam. “Você cuida da sua segurança,
e eu faço o melhor que puder. Senão, nada feito.”
Apenas uma brincadeira, mas não consigo levar numa boa. Uma vez que
estejamos separados, não há garantias.
“Não importa o que aconteça”, insisto.
“Nada vai acontecer. Não se preocupe.” Essas palavras quase não têm sentido.
Um desperdício de esforço. Mas vale a pena ouvir a voz dele, não importa a
mensagem.
“Certo.”
Ele me vira para encará-lo, e repouso a cabeça em seu peito. Não sei com o
que comparar o aroma dele. É próprio, tão único quanto o cheiro de junípero na
chuva do deserto.
“Você e eu não vamos nos perder um do outro”, promete ele. “Sempre vou
encontrar você novamente.” Sendo Sam, ele não pode ser completamente sério
por mais de uma ou duas batidas de seu coração. “Não importa o quanto se
esconda. Sou incomparável no esconde-esconde.”
“Você conta até dez para mim?”
“Sem olhar.”
“Está combinado, então”, murmuro, tentando esconder o fato de que minha
garganta está travada pelas lágrimas.
“Não tenha medo. Você vai ficar bem. Você é forte, é rapido e é esperto.” Ele
está tentando se convencer, também.
Por que o estou deixando? É tão improvável que Becky ainda seja humana.
Mas quando vi o rosto dela no noticiário, tive tanta certeza.
Era apenas uma incursão normal, uma em milhares. Como sempre quando
nos sentíamos suficientemente isolados, suficientemente seguros, a televisão
ficava ligada enquanto esvaziávamos a despensa e a geladeira. Só para ver a
previsão do tempo; não havia muito interesse nas matérias mortalmente tediosas está-tudo-certo que passavam por notícia entre os parasitas. Foram os cabelos que me chamaram a atenção — o brilho intenso, um loiro com partes dos fios escuros que eu só tinha visto numa pessoa.
Eu ainda posso ver a expressão no rosto dela ao olhar para a câmera com o
canto dos olhos. A expressão dizia: Estou tentando parecer invisível; não me veja.
Ela não andava devagar o bastante, esforçando-se demais para manter um ritmo casual. Tentando desesperadamente se misturar.
Nenhum usurpador de corpos sentiria essa necessidade.
O que Becky está fazendo zanzando humana numa cidade grande como
Chicago?
Haverá outros?
Na verdade, tentar encontrá-la não parece sequer uma escolha. Se há uma chance de haver mais humanos lá fora, temos de localizá-los.
E tenho de ir sozinho. Becky vai fugir de qualquer um, exceto de mim — bem,
ela vai fugir de mim, também, mas talvez pare tempo suficiente para eu explicar.
Tenho certeza de que sei onde fica o esconderijo dela.
“E você?”, pergunto numa voz densa. Não tenho certeza se posso suportar
fisicamente essa despedida espectral. “Você vai ficar a salvo?”
“Nem o paraíso nem o inferno podem me separar de você, Gabriel.”
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A Hospedeira/Destiel
Science FictionNosso Planeta foi tomado por um inimigo que não pode ser detectado. Gabriel Novak se recusa a desaparecer e quando ele é capturado tem a certeza que é o fim. Castiel, a "alma" invasora designada para o corpo de Gabriel encontra dificuldades para tom...