Desidratado

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— Certo! Você tem razão, você tem razão! — disse em voz alta. Não havia ninguém à minha volta para escutar-me.
Gabriel  não estava dizendo “eu lhe disse”. Não com tantas palavras. Mas eu podia sentir a acusação no silêncio dele.
Eu continuava contrario a deixar o carro, embora ele fosse inútil para mim agora.
Quando a gasolina acabou, deixei-o seguir adiante com o impulso restante até ele cair de frente numa vala rasa — um regato volumoso cortado pelas últimas grandes chuvas.
Eu estava olhando fixamente a vasta planície desocupado pelo para-brisa e senti meu estômago revirar de pânico.
Temos de andar, Castiel. Só vai ficar mais quente.
Se eu não tivesse desperdiçado mais de um quarto do tanque de gasolina insistindo em chegar bem ao pé do segundo marco — só para descobrir que o terceiro deles não era mais visível daquele ponto e ter de dar a volta e retornar —, teríamos chegado bem
mais adiante nesse leito seco, bem mais perto do nosso objetivo seguinte. Graças a mim, íamos ter de viajar a pé agora.
Coloquei a água na bolsa, uma garrafa de cada vez, meus gestos desnecessariamente
deliberados; acrescentei as barras restantes de granola com a mesma lentidão. O tempo todo Gabriel desejou ansiosamente que eu me apressasse. A impaciência dele tornava difícil pensar, concentrar-se no que quer que fosse. Como no que iria acontecer conosco.
Vamos embora, vamos embora, vamos embora, entoou ele monotonamente até eu sair duro e desajeitado do carro. Minhas costas pulsaram quando me estiquei. Estavam doendo por eu ter dormido tão retorcido na noite anterior, não pelo peso do fardo; o
pacote não era tão pesado quando usei meus ombros para levantá-lo.
Agora cubra o carro, instruiu ele, imaginando-me cortando galhos espinhosos dos arbustos de creosotos e palos verdes próximos e arranjando-os sobre a carroceria prateada do automóvel.
— Por quê?
O tom dele deixou implícito que eu era completamente estupido por não entender.
Para ninguém nos achar.
--Mas e se eu quiser ser achado? E se não houver nada aqui além de calor e terra? A gente não tem jeito nenhum de voltar para casa!
Para casa?, questionou ele, jogando imagens desoladas na minha cara: o
apartamento vazio em San Diego, a mais detestável expressão da Buscadora, o ponto que marcava Tucson no mapa... um rápido e mais feliz flash do cânion vermelho que
escorregou por acidente. Onde seria?
Dei as costas para o carro, ignorando o conselho dele. Eu já tinha ido longe demais.
Não ia abrir mão de toda esperança de voltar. Talvez alguém achasse o carro e então me encontrasse. Eu poderia fácil e honestamente explicar o que estava fazendo aqui para qualquer um que me resgatasse: eu estava perdido. Tinha perdido o caminho... perdido
o controle... perdido a cabeça.
Eu segui o leito seco no início, deixando meu corpo entrar em seu ritmo natural de longas passadas. Não era o jeito que eu andava nas calçadas para ir e voltar da universidade — não era absolutamente o meu andar. Mas era apropriado ao terreno irregular aqui e fazia eu progredir suavemente, numa velocidade que me surpreendeu
até eu me habituar a ele.
— E se eu não tivesse tomado esse caminho? — perguntei a mim mesmo enquanto avançava na imensidão do deserto. — E se o Curandeiro Fords ainda estivesse em Chicago?
E se meu caminho não tivesse nos trazido para tão perto deles?
Foi essa urgência, essa atração — a ideia de que Sam e Jack pudessem estar bem aqui, em algum lugar deste vazio — que havia tornado impossível resistir ao plano insensato.
Não tenho certeza, admitiu Gabriel. Acho que ainda assim eu talvez tivesse tentado, mas estava com medo enquanto as outras almas estavam por perto. Ainda estou. Confiar em você
poderia matá-los.
Nós nos encolhemos juntos ao pensamento.
Mas estando aqui, tão perto... Pareceu que eu tinha de tentar. Por favor — e
subitamente ele estava me fazendo um apelo, suplicando, nenhum traço de
ressentimento em seus pensamentos —, por favor, não use isso para feri-los. Por favor.
— Não quero machucá-los... não sei se posso fazê-lo. Eu preferiria...
O quê? Morrer? A entregar um punhado de humanos extraviados aos Buscadores?
Novamente nos encolhemos diante de tal pensamento, mas minha reação à ideia o confortou. E me assustou mais que o acalmou.
Quando o leito seco começou a desviar demais rumo ao Norte, Gabriel sugeriu que esquecêssemos o caminho plano de freixos e pegássemos uma linha direto para o terceiro marco, a projeção de rocha que parecia apontar, como um dedo, para o céu sem nuvens.
Não gostei de sair do leito, assim como tinha resistido a deixar o carro. Eu poderia seguir o leito o tempo todo de volta para a estrada, e a estrada para voltar à autoestrada. Eram quilômetros e mais quilômetros, e eu levaria dias para atravessar, mas uma vez tendo saído do leito, eu estava oficialmente à deriva.
Tenha fé, Castiel. Vamos encontrar o tio Bob, ou ele a nós.
Se ele ainda estiver vivo, acrescentei, suspirando, e enquanto me afastava de meu caminho básico para o mato do deserto, que era idêntico em todas as direções.
Fé não é um conceito familiar para mim. Eu não sei se acredito nisso.
Confiança, então?

A Hospedeira/DestielOnde histórias criam vida. Descubra agora