Não vale mais a pena voltar

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Michele parou de ler a ficha e olhou para mim. Acho que agora ela teve noção da gravidade do nosso problema. Ficamos por mais alguns minutos na sala dela, contei sobre as matérias que saíram lá em 2004/2005 e depois fomos liberados.

“Poderíamos mudar nossos nomes.” –Sugeriu Camilla, de mãos dadas comigo.

“Não é uma ideia ruim.” –Concordou Pedro. –“Seria divertido.”

“Me chamem de Olívia.” –Camilla apressou em dizer.

“Lucas!” –Disse Pedro. –“Me chamem de Lucas.”

Eles começaram a rir e ignorei completamente a conversa. Fingindo não ouvir essa ideia idiota.

“Yolanda? Qual será seu nome?” –Camilla perguntou, apertando minha mão.

“Vocês parecem tão tranquilos.” –Eu disse.

“Relaxa! Estamos bem agora!” –Disse Pedro passando seu braço direito pelos meus ombros.

Olhei para ele, um lindo sorriso ele estampava em seu rosto e me permiti sorrir também.

“Vai. Escolhe um nome.” –Disse Camilla, sacudindo meu braço.

“Imogen?” –Eu perguntei.

“O que? Esse nome existe?” –Camilla perguntou.

“Existe. É o nome da mão do...”

“Outro!” –Pedro não me deixou terminar.

“Eu não sei, gente.” –Dei de ombros. –“Isso é inútil.”

“Temos que mudar nosso visual também!” –Disse Camilla, empolgada.

Ela parecia estar se divertindo com isso tudo. Ela se esqueceu que Ana estava com câncer e Mary poderia ser enterrada em qualquer lugar, porque ninguém pagou por um funeral digno. Eu não conseguia relaxar, como Pedro havia pedido. Queria encontrar Mary, viva ou morta.

“Yolanda, me diga um nome.” –Ela disse.

“Meu Deus! Calem a boca! Parem com isso!” –Eu disse em um tom agressivo. –“Disseram que me ajudariam com a Mary...” –Completei, abaixando meu tom.

Pedro e Camilla se olharam, parecendo dizer que eu tinha razão e o quão insensíveis estavam sendo. Pablo sugeriu ligarmos para alguns lugares da casa dele e qualquer suspeita, correríamos para o hospital ou IML. Aceitando a sugestão, procuramos na internet os números de todos os hospitais da região e do Instituto Médico Legal. Escrevi o nome completo de Mary em um papel, de onde ela era e quantos anos tinha. Pedro ligou para os hospitais. Eu estava nervosa demais para conseguir falar ao telefone e ficava andando de um lado para o outro prestando em cada detalhe de esperança que eles poderiam me passar.

“E a Ana?” –Camilla me perguntou.

“Agora decidiu se preocupar, Camilla?” –Perguntei após roer a unha.

“Sempre me preocupei.” –Ela disse.

Dei uma risada irônica e voltei a roer minha unha. Eu não tinha essa mania, mas estava roendo. Camilla não insistiu em perguntar sobre Ana, jogou o celular de Pedro no sofá e saiu nervosa para a cozinha. Continuei no meu canto, até notar que Camilla não voltava e que, possivelmente, por minha causa.

“Olha, a gente vai atrás da Ana também... quando soubermos da Mary.” –Eu disse.

Camilla, que estava encostada na pia bebendo água, não disse nada.

“A Mary pode estar morta...” –Eu disse.

“E a Ana pode estar morrendo. E eu não vou ter a chance de  me despedir da minha avó.” –Ela disse, após de terminar de beber.

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