Guardar histórias

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O caminho era muito mais civilizado do que Ed tinha que fazer todos os dias. Muitas casas, no lugar das vacas, asfalto e calçada, no lugar da lama. Tudo parecia ter parado no tempo - Aliás, um tempo muito antes do meu – e era tão lindo.

"Sempre tive inveja da sua casa ser mais perto da escola do que a minha é." - Teddy comentou, quando viramos em minha antiga rua.

"E ainda assim, eu ia de ônibus." –Eu disse.

"Bem mais rápido." –Ele disse.

De repente, senti meu coração acelerar e as palavras sumirem. Sem eu perceber, minha mão procurou pela mão de Ed e a apertei como se aquilo fosse parar o tempo. As casas dos vizinhos anunciavam que a minha estava cada vez mais próxima e lá estava ela. Meus olhos, agora, enxergavam a casa com seus tijolos antigos expostos num tom escuro, sem a antiga varanda, substituída por um cercado de madeira, a porta ainda seguia protegida por telhas pretas, assim como as de toda a casa, haviam mais plantas do que costumávamos ter do lado de fora. Do outro lado da calçada, paramos para observar a casa. Ed permaneceu em silêncio, enquanto ainda segurava minha mão.

"É tão estranho ver a casa por este ângulo." –Ele resolveu comentar. –"Confesso que já tinha esquecido um pouco de como era."

"Deve ser porque não tem mais a pequena varanda." –Eu disse.

Ele inclinou um pouco a cabeça, pensativo, até que concordou com a cabeça.

"Estão nos vigiando." –Sussurrei para Ed.

Com a cabeça, apontei para a janela de cima, onde era o quarto de Mary, e lá havia uma criança nos olhando. Teddy demorou para entender, até que se virou para o lado certo, assustando a criança, que prontamente fechou a cortina branca.

"Traumatizou a garota." –Eu disse. –"Ela deve ter achado que é o Chucky."

"Que divertido." –Ele disse. –"O boneco assassino confraternizando com a louca que sai do poço."

"Eu nem pareço com a Samara." –Eu disse, cruzando os braços.

Nosso assunto foi interrompido por uma senhora que apareceu na porta da casa.

"Com licença?" –Ela disse, fechando mais o seu roupão. –"Estão assustando minha filha."

Ed e eu nos entreolhamos e eu nem sabia o que dizer. Comecei a gaguejar na tentativa de dizer algo e estava com medo de ela achar que qualquer justificativa nossa, fosse falsa.

"Eu morei nessa casa." –Eu disse, atravessando a pequena rua. –"Tem um bom tempo."

"Ah..." –A mulher sorriu, ainda incomodada.

"Minha mãe, Mary Lane, era dona desta casa." –Eu disse.

"Meu Deus!" –A mulher pareceu assustada. –"Sim! Esse nome mesmo."

Senti meus ombros murcharem, aliviados.

"Comprei esta casa há um ano." –Ela disse. –"Desde a morte de Mary, a casa ficou fechada."

Fiquei em silêncio.

"Tem um monte de caixa no porão ainda." –Ela disse. –"Não tive coragem de joga-las fora."

Olhei para Ed que, com os olhos, parecia querer me empurrar para dentro da casa.

"Desculpa, não me apresentei." –Ela disse. –"Sou Leigh-Jane"

Leigh esticou seu braço em minha direção, aguardando meu aperto de mão.

"Yolanda." –Eu disse, tocando em sua mão.

"Esse nome mesmo que esta em uma das caixas." –Ela disse. –"E..."

"Amy." –Completei.

"Isso mesmo!" –Ela sorriu.

"Lamento por tudo que aconteceu com vocês." –Leigh disse. –"Não sabemos muito por aqui. Sei qu você esteve no Brasil, Mary foi atrás e não retornou mais."

"Resumiu bem." –Eu dei um leve sorriso, tentando disfarçar a tristeza que eu havia sentido naquele minuto.

"Não quer entrar?" –Leigh perguntou. –"Pode levar suas caixas!"

"É que..."

"Não que eu queira me livrar delas." –Ela me interrompeu, rindo. –"Até gosto muito delas. Gosto da ideia de guardar a história de alguém."

Leigh ficou me encarando, com uma paz imensa em seu olhar, que acabei aceitando o convite para entrar na casa.

"Ótimo!" –Ela comemorou. –"Nunca achei que fosse conhecer alguém das caixas."

Sorrindo, Leigh-Jane ficou segurando a porta, enquanto Teddy e eu entrávamos na casa.

"Chegou em boa hora." –Leigh fechou a porta atrás da gente. –"Fiz biscoitos, para acompanhar o chá."

"Não quero parecer mal educada..." –Comecei a dizer. –"Mas não gosto de chá."

"Não tem problema!" –Ela disse, entrando na cozinha. –"Temos leite, suco, café. O que prefere?"

"O suco." –Eu disse.

"Sentem-se."

Teddy logo escolheu seu lugar na bancada e eu parei para observar a nova cozinha da casa. Os móveis ainda eram os mesmos, com um pouco mais de verniz nas madeiras. A bancada agora tinha um mármore branco por cima, mas tudo seguia nas mesmas posições. Até mesmo os eletrônicos mais modernos, ocupavam o lugar dos antigos.

"Aqui está seu suco." –Ela disse, o colocando sobre a bancada.

Me sentei de frente para Ed, e ele parecia tímido, não esperava que tudo aquilo fosse acontecer.

"Confesso que não esperava que a senhora fosse nos convidar para entrar." –Arrisquei dizer e logo vi os olhos de Ed se arregalarem. –"Nossa intenção mesmo era só passar por aqui, para ver como está."

"Fico feliz com este encontro." –Leigh disse, se sentando ao lado de Ed.

Leigh-Jane serviu Teddy com seu chá e, naquele momento, comecei a questionar se sua bondade era, de fato, com minha história, ou ela havia reconhecido Ed Sheeran e estava disfarçando muito bem.

"Mãe?"

A criança, que havia aparecido na janela, agora estava na porta da cozinha, segurando o CD do Ed em sua mão direita, acompanhada de uma caneta preta na mão esquerda.

"Guardar a história dos outros, não é?" –Perguntei para Leigh.


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