SHAWN

132 21 0
                                    

Conheci Aaliyah no hospital. Quando cheguei lá, quase entrando em desespero, me deparei com ela toda bonita e serena, sentada em uma das poltronas pronta para receber a notícia. A pior notícia... Não sei dizer exatamente o que a fez falar comigo mas acho que foi o desespero estampado em meu rosto.

É estranho, mas mesmo que Aali tenha dito que as cartas não eram enviadas por ela, ter a plena certeza disso, coisa que eu ainda não tinha mesmo com a palavra da minha irmã, é muito louco.

Ela me contou toda a história dela, me contou sobre seu irmão, Shawn, sobre a cunhada, Camila, a melhor amiga, Sofia e todo o restante da família estava incluso. - sorri. Aali nunca se esquece de ninguém. Soube sobre seu primeiro câncer, quando ela ainda era uma garotinha inocente. Ela me contou absolutamente tudo e Gus permaneceu ao seu lado durante todo o momento, segurando sua mão. E foi que nossa história passou a ser praticamente a mesma.

– Eu sabia que o dedo de Aaliyah estava metido aí. Mesmo que de modo indireto.

– Eu sei, eu também sentia... - suspirou. – Aali ainda não tinha contado para a família sobre o namorado, eu também não, Aali não tinha contado ainda sobre do câncer, eu também não, ela disse que iria adiar a notícia o máximo que pudesse, eu também iria... Mas nós também tínhamos diferenças.
Shawn é deficiente visual e Aali foi seus olhos durante muito tempo... eu, por outro lado, tenho Melissa, que teve a audição quase que totalmente comprometida quando eu tinha dois anos de idade e ela cinco, eu me tornei os ouvidos da minha irmã.

– Que loucura. - Ayla resmungou em meu colo. – Eu sei, meu amor, isso é coisa de filme.

Eu queria desabafar minhas dores e sentir que estava sendo ouvida, até pensei em fazer um blog mas senti que estaria exposta demais fazendo isso. Aaliyah disse que estava escrevendo cartas como se estivesse falando com um desconhecido então eu tive a brilhante ideia de trocarmos cartas com nossas famílias, que no caso, de maneira trocada. - ouvi o suspiro de Camila. – Tudo o que eu disse sobre vocês não foi clarividência ou algo assim, foi apenas um puro e simples conhecimento básico sobre a vida de uma grande amiga que eu fiz em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Então, sim, Aali escreve cartas, mas não, vocês não receberam nenhuma delas. Tudo o que está escrito (situações de confusão mental sobre o estado em que me encontrava) não passa de um grande desabafo.

Minha mente virou uma pequena bola com tanta informação, mas não consigo dizer para Camila parar, eu preciso saber mais, sinto que há mais para saber.

O grande motivo de eu ter escrito essa carta é: as cartas que eu escrevi para vocês, gostaria que não me devolvessem, eu e Aali combinamos que quando eu estivesse curada iria dar todas as cartas para minha família, mas prefiro que eles mantenham toda a ideia de durona que eu passei para eles ao invés de trocá-la pela ideia de medrosa e menina pessimista. - isso é um fato, Maria ou seja lá qual é o nome dela, sempre deixou claro em suas cartas o medo de retroceder, no entanto, não a julgo. Tenho plena certeza de que eu também não iria querer dar as cartas para minha familia.

É louco pensar que eu escrevi uma carta de despedida para a minha família e, hoje, posso dizer que estou livre do câncer! Mas Aali não está tão bem quanto eu, e vocês sabem disso. Eu queria que vocês soubessem que ela não está com medo, de verdade, ela está sem medo algum de partir. Isso não quer dizer que EU esteja tranquila quanto a isso. Aaliyah foi meu ponto de esperança! E eu tenho plena certeza que ela também e um ponto de paz para toda a família. Gus está sofrendo muito por saber da verdade e se manter em silêncio. Ela pediu sigilo para ele, mas esqueceu de pedir o mesmo para mim... Ela soube mais de três meses que estava em estado terminal e não é segredo nem para mim nem para vocês que ela está cansada, não se aguenta em por muito tempo e come pouco, mas mesmo assim ela não chora, não se lamenta e muito menos aparenta tristeza. Eu queria poder, não sei... ser honesta com vocês e dizer que vocês não devem se entristecer ou ficar chateados com ela por não ter lhes contado sobre seu verdadeiro estado de saúde. Ela só estava tentando não entristecer vocês. Ela estava tentando não entristecer a família!

Meus olhos se encheram de lágrimas de uma maneira tão rápida que eu mal pude me dar conta delas antes de derramar a primeira. Merda, tudo o que eu não quis acreditar quando ouvi de Aali foi jogado na minha cara por um papel.

Ela está com o coração tranquilo, e... por mais que eu não creia tanto assim nessas coisas de céu e inferno, se isso existe, o céu todinho é dela! Acho que Deus deixou ela aqui aquela outra vez, porque eu precisava conhecer a força e vocês precisavam colecionar mais memórias... Assinado, Maria.

– Ela se vai, não é? - minha voz soou tão diferente do habitual que, por um momento, esqueci eu é quem tinha falado.

– Meu bem, no fundo, ela sempre soube e sempre nos avisou sobre isso... Eu gosto disso? Não! Eu definitivamente não gosto disso! Mas ela está sofrendo. Aali não conseguiu segurar a sobrinha por mais de dez minutos. O melhor que podemos fazer por ela e por nós também! É aproveitar cada último segundo. Inclusive, eu quero ir embora.

O botão que fica lado da sua cama apitou. Camila vai cometer uma loucura...

– Algum problema, senhora? - A voz de uma mulher soou pelo quarto.

– Em quanto tempo eu saio daqui?

O sapato emborrachado da mulher fez com que eu pudesse a rastrear sem dificuldade alguma pelo quarto e, pelos meus cálculos, ela parou ao lado da cama da minha mulher.

– Segundo isso aqui. - bateu em algo duro que fez um som nítido. – Depois de amanhã.

– Pois então, me traga um daqueles papéis de responsabilidade! Eu quero ir embora agora.

Paixão às Cegas.Onde histórias criam vida. Descubra agora