SHAWN

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– Aconteceu alguma coisa com a minha filha? - ouvi Camila dizer nitidamente atrás da porta e meu peito se apertou. Minha filha.

A pausa entre sua fala e a abertura da porta pareceu durar horas mas foram apenas dois minutos. Isso acalmou meu coração. Se alguma coisa tivesse acontecido, ela teria gritado meu nome para que fossemos correndo atrás de Alya.

– Meu bem? - ela me chamou e eu larguei um dos bonecos que Olivia me deu para brincar.

Sua voz não me passou a calma que eu queria que ela me passasse. Camila parecia se controlar muito para não chorar.

– O que aconteceu? - precisei perguntar. Não podia deixar meu coração tão aflito. – Tudo bem com nossa filha? Aconteceu alguma coisa?

– Alya está bem. Ela está bem. ‐ seu pensamento parecia vago.

– Mas... - a instiguei a continuar.

– Aaliyah - sua voz vacilou. – ela acabou de partir.

Se a mulher a minha frente me falou mais alguma coisa, eu simplesmente não ouvi.

A morte é uma coisa estranha. Simplesmente não faz sentido. Como pode alguém, simplesmente, não existir mais? Hoje mesmo eu almocei ao lado da minha irmã e, agora ela não vai mais participar dos almoços de domingo.

Droga, Aaliyah. Eu prometi que iria ver você.

Me senti anestesiado. Acho que é isso que a morte faz com as pessoas, as anestesia. Te tira de órbita por tempo o suficiente para estarmos em prantos sem perceber que as lágrimas escorrem.

Não percebi quando meus pés se moveram e eu passei pela porta para chegar no carro. Só cai em mim quando ouvi a voz chorosa sa minha mãe.

– Meu bebê. Ela está melhor agora, eu sei que dói, eu sinto a dor mas... - a frase morreu em seus lábios. Era mentira tudo aquilo, ela não estava conformada. Nem um pouco conformada.

– Com quem ela estava? - me soltei do abraço apertado da minha mãe para fingir estar melhor que ela.

– Ela... estava comigo. - a voz baixa de Gus soou pela sala. - Sogra, eles... eles já estão vindo buscá-la. Eu posso acompanhar se a senhora não se importar.

– Eu vou buscar os documentos dela, só um minuto.

A mão de Camila pousou em meu ombro e com um leve aperto ela me trouxe de volta à realidade.

– Alya! Onde está minha filha?

– Ela está dormindo. - papai se aproximou e logo me abraçou.

– Vou ver como ela está, meu bem. - ela se afastou de mim deixando meu ombro com uma leve sensação gelada.

– Gus. Pode me levar até ela? Quero me despedir antes... - engasguei com meus próprios pensamentos. – Antes de a levarem.

A notícia me atingiu de uma forma tão drástica que eu senti como se não conhecesse mais a casa onde eu morei por quase toda a minha vida. Precisava ser guiado.

Ouvi ao fundo, enquanto Gus me guiava pelas escadas, a voz de Sofia conversando com meu pai. Tony esteve aqui minutos antes de ela ir embora. Como tudo isso é louco.

Por que Aaliyah quis subir para o quarto? Ela esteve lá embaixo durante todos esses dias.

– Vou ficar aqui fora te esperando.

Assenti em concordância e adentrei o quarto. A leveza da minha irmã ainda pairava por todo o local.

Me aproximei da cama, que nunca mudou de lugar. Aali sempre disse que não gostava de mudar os moveis de lugar para que eu soubesse onde ela estava sempre. E eu sempre soube encontrar sua cama.

Enxuguei a lágrima que escorreu pela minha bochecha e me ajoelhei ao pé da sua cama.

Busquei por sua mão e não exitei em levá-la até meu rosto pela última vez. Era nosso modo de comunicação. Sempre foi assim.

– Você está bem, não está? Me disseram uma vez que quando a pessoa vai embora assim é porque ela já cumpriu sua missão na Terra... você cumpriu a sua, não é?! Sua jornada aqui foi tão linda. Não consigo sentir raiva de Deus por ter te levado, meu amor. - sequei inutilmente mais uma das milhares de lágrimas que saltavam dos meus olhos em meio à minha voz chorosa. – Alya vai saber absolutamente tudo sobre você. Eu mesmo vou contar pra ela sobre nossas brincadeiras, risadas e ela terá você no coração.

Sorri em meio ao choro. Minha irmã foi muito forte. Um ser de luz, amor e bondade tão grandes que eu não acho que serei capaz de me parecer com ela algum dia.

Ela tentou me preparar para esse momento. Ela tentou preparar a todos nós. Nós é que nunca estaríamos preparados para perdê-la.

Beijei sua mão e procurei por seu rosto para afagar seus cabelos. Não sei quanto tempo fiquei ali, sozinho com ela como fazíamos quando ela era pequena. Ela dormindo e eu velando seu sono. Mas logo um daqueles homens que provavelmente vestem preto pediu para que eu me afastasse.

Desci as escadas com a ajuda de Gus e Camila veio ao meu encontro.

– Quer um remédio ou algo assim? - franzi o cenho. – Para controlar a emoção.

– Não, amor. Eu estou bem. Só... eu só preciso da minha filha. - minha esposa passou a bebê para meu colo e eu a apertei em meus braços como se minha vida dependesse daquilo. E, de fato, dependia.

– Eu sou o namorado. Como eu não posso ir? - meu cunhado se exaltou em algum canto da casa.

– Senhor, é o protocolo. Eu preciso que alguém da família acompanhe, o senhor pode ir, mas não sozinho.

– Eu estou pouco me importando com a merda do seu protocolo! Você não está vendo como a mãe dela está? Acha mesmo que ela consegue resolver alguma coisa? A única coisa que a Karen precisa agora é do marido ao seu lado. Não consigo acreditar que essa merda desse protocolo seja tão desumano assim.

Devolvi minha filha para Camila e segui o som da discussão que me levou até a porta de entrada.

– Qual o problema? - impus a voz.

– Eu preciso que alguém da família acompanhe esse senhor e o corpo. Ele não pode ir só fazer toda a papelada.

– Pois bem. Eu vou com ele. É de sangue que você precisa? Eu tenho o mesmo que o dela.

Avisei Camila que eu estava indo resolver a burocracia e entrei dentro daquela caixa de metal ao lado do Gus, sem saber exatamente para onde é que estávamos indo.

O carro parou em um hospital.

– Ela... - ele coçou a garganta para impor melhor a voz embargada. – ela deixou cartas. Me disse que era pra entregar todas para você.

– Shawn Mendes? - uma voz feminina me chamou e eu prontamente levantei da cadeira. A mulher se aproximou. – Preciso saber seu grau de parentesco com Aaliyah Mendes.

– Somos irmãos. - procurei soar o mais forte que eu pude.

– Pois bem, eu preciso saber se gostaria de doar os órgãos.

Paralisei. Eu teria que decidir? Por que essa responsabilidade ficaria toda nas minhas mãos? O que Aaliyah queria que eu fizesse?

"Se eu pudesse te daria um dos meus olhinhos."

"Shawn, algum dia você vai poder me ver?"

"Se eu tenho dois olhinhos que funcionam, e você não tem nenhum. Por que eu não posso te dar um dos meus olhinhos, irmão?"

Memórias do seu tempo de infância me invadiram e a voz grave do homem que me acompanhava me trouxe de volta à realidade.

– Ela disse que era o que ela queria fazer, Shawn. Ela queria ajudar pessoas.

Suspirei.

– A senhora ouviu. É isso que ela queria que fizéssemos.

– Ok, eu só preciso da sua assinatura.

Paixão às Cegas.Onde histórias criam vida. Descubra agora