Entre Memórias e Mentiras

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Ela realmente acha que eu a salvei? Se ela não tivesse aparecido naquele momento, eu provavelmente teria me jogado do alto daquele prédio sem pensar duas vezes. Então, se alguém salvou alguém, foi ela. Mesmo sem saber disso. 

Mas prefiro que ela não saiba. Não quero que me veja como fraco. 

— De nada. Boa noite. 

— Boa noite, Sr. Mascarado. Até amanhã. 

Fecho a porta do quarto e me dirijo até a sala onde vou descansar. Tento afastar os pensamentos, mas a imagem do sorriso dela permanece na minha mente. 

Por que ela sorri daquele jeito? 

É estranho e... adorável ao mesmo tempo. Merda. Nem sei mais o que estou pensando. 

Não acredito que preparei água quente para os pés dela. Eu passo dias fora, meu corpo fica coberto de dores, e nunca parei para fazer algo assim por mim. Mas, do nada, me vejo fazendo essas coisas para essa garota... uma estranha que nem consegue alcançar uma panela na prateleira. 

Meus olhos caem sobre o sofá. Ele está forrado com um lençol macio, tem uma manta dobrada e até um travesseiro. 

Eu não fiz isso. Quando ela arrumou tudo? 

Não importa. Eu preciso descansar. Ela só quis ser gentil, assim como eu fui mais cedo. 

Me deito no sofá e, surpreendentemente, está mais confortável do que antes. Me ajeito, puxo a manta e fecho os olhos. 

Mas a paz não vem. 

Quando ela me mostrou aquela foto da mãe, algo dentro de mim se mexeu. Sensações estranhas, lembranças fragmentadas. 

Ou melhor, flashbacks. 

Me vejo sentado à mesa com um homem, uma mulher e outra criança. 

Isso era minha família? Então eu tive uma família? Isso é possível? 

Meu coração acelera. Se eu continuar tentando forçar essas memórias, não vai adiantar nada. Só me sinto pior, e a máscara se torna ainda mais sufocante. 

Preciso mudar o foco. 

Amanhã será um dia cheio. Vamos atrás das meninas e, além disso, eu prometi ajudá-la a ficar mais forte. 

Mas por onde começar? Ela não parece ser forte fisicamente, mas... não se julga um livro pela capa. 

O cansaço pesa. Fecho os olhos, sabendo que, caso alguém entre neste apartamento, não terá chance de sobreviver. 

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Um cheiro forte e delicioso me desperta. 

Abro os olhos e dou de cara com Kuon. 

— Desculpa, eu só estava... 

— Me olhando dormir? Qual o seu problema? 

Ela fica vermelha. Diferente das outras vezes. 

Será que... 

— EU VIM TE CHAMAR PARA O CAFÉ, MAS VOCÊ DORME COMO UMA PEDRA! 

Fico encarando ela, surpreso. Por essa eu não esperava. Ela é sempre tão doce e meiga... quem diria que é louca também? 

— Me desculpa, eu só... 

— Se pedir desculpa perde o efeito. 

Ela suspira, frustrada. É tão fácil irritá-la que chega a ser engraçado. 

— Vamos comer, por favor. Acordei com fome e vi que sua mochila estava cheia de comidas gostosas. Eu esperei o máximo que consegui... 

— Quando estiver com fome, pode comer. Não precisa esperar. 

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