Capítulo III

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"A dor não vai embora porque a gente quer. Ela vai corroendo a gente por dentro, em silêncio, de modo lento, como ferrugem."
- Nana Calimeris


O vilarejo vizinho era muito maior que aquele onde Aiala morava e a cada ano que ela descia a montanha para ir a ele, mais populoso ele parecia. Esse vilarejo também estava se preparando para o festival, as ruas estavam enfeitadas e todos estavam sorridentes, todos falavam e gargalhavam alto. Estava tudo tão lotado que até transitar com a carroça era uma missão difícil, em vista disso Aiala desceu da carroça e a estacionou em uma das vagas reservadas para visitantes que encontrou com muita dificuldade logo na entrada da cidade. Feito isso, ela saiu em busca do comerciante de nome Pétros que tinha comprado com antecedência todos os produtos que ela trouxe para ajudar a suprir a grande demanda daquele ano.

Aiala caminhava entre a multidão, desviando do máximo de pessoas que conseguia, preocupando-se apenas em chegar o mais rápido possível ao ponto de encontro com Pétros. Então é de se esperar que ela sequer tenha notado quando esbarrou levemente em um homem no meio de toda aquela multidão, porém ela foi notada. O homem tinha 1,92 de altura e corpo muito bem definido, a pele era levemente queimada pelo sol, seus cabelos eram de um castanho tão claro que beirava o loiro e seus olhos eram verdes azulado como o mar em dias de sol, uma beleza que transcende o possível para um humano. Mas o mais surreal disso tudo não era a aparência daquele homem e sim os efeitos que aquele simples toque desencadeou nele.

O homem andava despreocupado no meio daquela multidão, ciente de que era inatingível, quando de repente sua postura perfeita, foi momentaneamente abalada, fazendo-o parar abruptamente. Sua mente foi inundada por uma enxurrada de memórias que definitivamente não eram suas, gritos de horror e desespero ecoavam em sua cabeça fazendo-a latejar, ele estava atônito tentando compreender o que se passava quando tão rápido quanto surgiu a gritaria cessou e uma cena surgiu em sua mente como se ele estivesse a vendo não como uma memória, mas ali bem diante de seus olhos. Ele viu uma menina pequena, em seus quatro anos, brincando com sua boneca enquanto cantava bem baixinho uma música suave, e no momento em que ouviu a canção o homem sentiu seus ânimos se acalmarem assim como o mar revolto abandona sua ira ao final da tempestade. Porém antes que ele pudesse terminar de ouvir aquela doce música, os gritos voltaram a soar tudo ficou nublado e começou a girar, ele fechou os olhos por alguns minutos e quando voltou a abri-los estava tudo escuro com apenas uma única pequena brecha por onde a luz passava, o homem aproximou o rosto da brecha bem devagar e quando finalmente viu o que tinha lá fora ficou sem reação, em todos os seus muitos anos de vida jamais tinha presenciado algo como aquilo. Era o mesmo quarto, a mesma menina e a mesma canção, mas o cenário havia mudado pois nas mãos da garotinha ajoelhada no chão já não havia uma boneca e sim uma cabeça. O quarto estava cheio de sangue, uma mulher estava jogada no chão morta e alí perto estava a criança fazendo o melhor que podia para costurar a cabeça do homem de volta no lugar com suas pequenas e delicadas mãos enquanto cantava, subitamente a menina parou de cantar e olhou para o lugar onde ele estava mas ela não parecia vê-lo, logo ela voltou ao que estava fazendo. O homem sentiu que estava sendo sugado, e realmente estava, quando abriu seus olhos ele se viu parado no meio da multidão, o quarto se foi, mas os olhos vazios daquela menina era algo que ele não poderia esquecer nunca mais. Ele olhou em sua volta tentando encontrar aquele que desencadeou aquela experiência desgostosa, mas não pôde encontrar o culpado, acabou por acreditar que algum deus estava lhe pregando uma peça.

Aiala encontrou Pétros e alguns homens que estavam com ele no local combinado, levou-os até sua carroça para que descarregaram e quando acabou eles insistiram que ela ficasse até o fim do festival, mas Aiala rejeitou a oferta, subiu novamente na carroça e começou seu caminho de volta. Enquanto ela fazia o melhor para que os cavalos corressem o mais rápido possível, ela considerava que só chegaria em casa no segundo dia do festival. Ela resmungava que os irmãos Raptis certamente começariam uma confusão no primeiro dia, mas Pachis iria repreendê-los com algum pedaço de pau aleatório.

Aiala: A Noiva do deus do marOnde histórias criam vida. Descubra agora