capítulo 20

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Eu não me conheço

***

E

nquanto estava ali deitada, com a luz azulada da televisão atingindo meus olhos e pele, pensei sobre ter perdido de quem sou.  A diferença entre meu ‘eu’ de agora e meu ‘eu’ do passado.  Não um passado distante igual pensei antes, mas o meu ‘eu’ do início do ano. 

Fiquei por tanto tempo fingindo ser alguém que não sou, escondendo o que de fato penso, que agora sinto que não faço a mínima ideia das coisas que gosto e quais quero de verdade. A verdade é que não sei quem sou. 

É desesperador ter tal percepção, porque parece que parei no tempo e só sei sobre quem fui no passado, mas agora?! Nada, nadinha. Bom, quase nada. Sei qual é minha cor favorita, filmes, canções, matérias, mas em relação a outras coisas é bem difícil, por exemplo, se me perguntarem "O que te deixa feliz?", eu não saberei responder. 

Também sei sobre algo mais, sei que quero uma pessoa, mas agora ela não me quer… ou nunca me quis. 

— Hora de dormir, Júpiter — minha mãe diz, fazendo com eu desperte do momento reflexivo. 

— Já?! — indaguei com o rosto franzido. 

— Já é meia-noite _ apontou para o relógio que faz um barulho irritante com o caminhar dos ponteiros. 

— Nossa… — olhei em volta, perdida — Está tarde mesmo! — suspirei, passando as mãos em meu cabelo bagunçado. 

Levantei da cama, seguindo até o banheiro. Após lavar as mãos, voltei para o quarto já com as luzes apagadas, subi na cama, onde meus pais estavam me aguardando. 

Subi correndo, ouvindo suas risadas. 

— Que frio! — mamãe soltou uma risada. 

— Inverno, ué?!

— Sibéria, mãe! _ olhei em seus olhos _ Isso daqui está mais para a Sibéria! — resmunguei ao puxar a coberta, tampando corpo e cabeça — Boa noite! — minha voz saiu abafada — Amo vocês! — eles repousaram seus braços sobre meu corpo, deixando-me feliz com aquele abraço duplo. 

— E nós amamos você! — meu pai sussurrou e depois beijou o topo da minha cabeça coberta. 

Soltei um último suspiro trêmulo de alívio antes de sentir meu corpo mole. 


Na tarde do dia seguinte, fiquei parada vendo o tempo passar a minha frente. Olhei para o nada e só pensei como há muito não havia feito. 

Meus problemas não estão todos resolvidos, na verdade, nem sei se tudo o que está se passando comigo são problemas. 

Tipo assim, tem pessoas em vários cantos do mundo que estão passando fome e eu fico desse jeito por “nada”?! Sei lá, sinto-me um pouco culpado por isso. 

Minha mãe, assim que chegou do trabalho, disse-me que conversou com uma amiga dela e que a mesma indicou uma psicóloga que a filha dela consulta. Meu espírito briguente, me incitou a questionar minha mãe sobre o que ela falou com sua amiga.

Não suporto quando outras pessoas ficam dizendo a outras que nem conheço sobre o que se passa comigo ou o que elas acham que se passa, depois quando me veem ficam perguntando sobre e não é nada confortável.   

_ Está bem… _ murmurei dentro de seu abraço _ Tomara que ela seja legal _ levantei o rosto para ver seus olhos amendoados. 

Com legal quis dizer “Tomara que eu me identifique com ela e consiga me abrir”, porque acho que vai demorar para que todos os sentimentos saiam em forma de palavras. 

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