a garota de antes
***
- Vou subir para o quarto! - aviso após lavar a louça que usei.
- Está bem - minha avó disse após ter dado-lhe um beijo na testa.
- Tchau, Rosa! - acenei antes de sair dali, caminhar pelo corredor agora escuro e frio, então subir a escada com corrimão branco de gesso.
Minha avó é apaixonada em tons claros como branco, bege e rosa, azul e amarelo bem claros, tanto que a maior parte de suas roupas são dessas cores.
Abro a porta do quarto cheia de expectativa já que há muito tempo não vinha aqui. À medida que a porta se abre, olho o quarto na penumbra até que alcancei o interruptor branco na parede da porta. O mesmo quarto de sempre, meu cantinho especial. E não gosto mais de rosa, mas antes eu amava, então ainda continua nesse tom, mas é como voltar ao passado e eu gosto disso, porque era mais feliz nessa época.
Minha avó ia em minha casa, mas há tempos, talvez anos que não venho aqui, por isso a expectativa e surpresa. Ela manteve tudo do jeito que era antes e está tudo limpinho, sem poeira alguma. Sento na cama e casal de ferro no estilo romana com um jogo de cama repleto de flores cor goiaba e azul claro. Estendo a palma encostada no colchão e deslizo pela superfície sentindo a costura parecida com um pentágono de lados curvos.
Olho ao redor, as paredes pintadas em rosa chiclete, o quadro de metal com várias fotos e inúmeros desenhos de vestidos, porque meu maior sonho nessa época era ser estilista. Ao me lembrar disso, vou até a gaveta da penteadeira branca com um espelho oval que me fazia sentir uma princesa e abro a gaveta, encontrando duas pastas de cor laranja intenso, uma de poliondas e outra de papelão, as duas cheias de folhas de ofício com uns desenhos bem toscos de vestidos de princesa e em personagens de filmes como a da Drew Barrymore em "Para Sempre Cinderela", meu filme preferido na época.
Solto um suspiro cansado... acho que cansado da vida, do que me tornei. Era tudo tão mais belo naquela época, eu não era assim pelo que lembro. Olhar para esse cômodo e observar a mim mesma no reflexo do espelho da penteadeira, mostra-me o salto de personalidade que dei. A garota do porta-retrato, sorrindo deitada na grama com um vestido leve de verão com o Sol tocando a face não parece ser eu.
Em que momento perdi quem eu sou de verdade?
Tudo era tão colorido antes, se fechar os olhos, posso ouvir os sons das risadas felizes, minha alegria por estar em família, a expectativa em vir a casa de minha avó, os cheiros da infância como do Leite de Rosas que minha avó usa, a naftalina que me obrigava a colocar na roupa. Minha avó não contou a história dos meus pais totalmente, nem eles, não que haja um segredo, apenas nunca paramos para conversar, mas eu sei que moramos aqui por um tempo. Dá pra sacar pela idade dos meus pais e a minha mãe tem 34, quase 35 e eu fiz 17 no início do ano, mais precisamente no dia 25 de janeiro, ou seja, ela engravidou jovem. Meus avós maternos são legais e tudo, mas eu sei que nesse sentido, eles devem ter sido bem rígidos.
Moramos aqui até meus 7 anos, depois meus pais compraram a nossa casa, mas eu gostava daqui e para me acostumar ao novo quarto levou uma "vida".
Permaneço olhando ao redor por um bom tempo, relembrando os anos dourados do passado.
...
- Acorda, Júpiter! - Alguém bate fortemente na porta do quarto.
Descobri meu rosto que estava cobrido com a coberta quentinha e quadriculada nas cores preto e branco, o quarto está escuro. Olho pela janela e constato que já é noite, bocejo e ouço mais uma vez a voz me chamando.
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2002
Romancelola | © 2021 SINOPSE: Júpiter está apaixonada por seu "melhor amigo" há não sei quanto tempo, na verdade, ela sabe as horas exatas de cada dia em que passou pensando nele, Augusto Vettel. Ele mudou-se para a Áustria com sua família há algum tempo...