capítulo 6

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Indiferença

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   Mais uma vez. Que droga de vício é esse?! 

   Deslizo o mouse, descendo e subindo a setinha por toda tela, vendo em qual das fotos vou clicar. Ele não carregou mais nenhuma e isso é um tédio, porque essa é única forma de saber um pouquinho mais sobre a vida dele. Isso me faz mal, já saquei, mas quem diz que consigo parar?! 

   Meu rosto apoiado na palma da mão e ela na mesa do computador. Mais uma semana passou, estou em outro fim de semana, mas os hábitos são os mesmos. 

    Na segunda-feira depois do carnaval, ele nem conversou comigo. Nem um mísero 'oi' ele foi capaz de dizer. Quando passou por mim, minha face estava com um sorriso à la Monalisa, mas morreu em um segundo quando ele passou direto. Fiquei super sem graça. Quis sumir!

    Pensei que voltaríamos a conversar depois daquele incidente, mas me iludi. 

     Sinto meu peito apertado, os olhos ardendo. Sério que mais uma vez vou chorar… por causa dele? 

     É, por causa dele mesmo! 

   Seria tão mais fácil se uma máquina do tempo já tivesse sido inventada. Voltaria no tempo sem pensar duas vezes. Meu Deus, que indecisão! Sei que não estava preparada, mas vendo o que aconteceu no futuro, talvez se eu mudasse minhas palavras um pouquinho e não me afastasse, nós estivéssemos vivendo um romance incrível, estilo as cartas de amor do Sigmund Freud para a Martha Bernays. Até anotei uma delas em meu caderninho de frases, a capa dele é com fundo branco e a imagem de lavandas com glitter em cima. Gasto minhas canetinhas brilhantes escrevendo milhares e milhares de coisas. 

De Freud para Martha

Teatrinho de máscaras

7.8.1882

Amada pequena menina,

Os astrônomos afirmam que as estrelas que hoje vemos reluzir começaram a arder há centenas de milhares de anos e talvez hoje estejam se extinguindo. Tal é a dimensão de distância que nos separa delas, até mesmo para um raio de luz que, sem se cansar, percorre mais de 40.000 milhas em um segundo.

   Que poético! Fez-me ficar imaginando.

   Quero viver um amor assim, profundo e intenso e, bom, com ele. Quero que ele me olhe como as pessoas olham para as estrelas, os olhos brilhando e com sede de descobrir todos os mistérios que permeiam o céu. Ele também podia escrever algo sobre mim ou que estivesse relacionado, pode ser uma carta, poesia ou qualquer outra coisa.

   É pedir muito? Acho que sim, mas viver em sonhos o que não posso na realidade é a única solução.

   Levanto da cadeira preta para ir até o pequeno som portátil lilás da Philco que meu pai me deu no ano passado de presente, porque fazia aula de dança e queria ouvir alguns CDs que ele me dava no meu quarto pra poder dançar sozinha. Procuro entre os CDs algum bem legal, escolho Kelly Key - minha cantora favorita. ‘Baba’ soa e eu aumento o volume antes de começar a dançar loucamente. Só de imaginar alguém vendo uma das minhas dancinhas loucas, me faz estremecer de medo.

   O toque da música me faz rebolar e a letra chiclete, já gravada por mim, me faz cantar junto. 

  Ainda bem que hoje é sexta-feira e a aula já acabou. Toda vez que as sextas chegam, sinto um alívio por não ter que ir à escola no outro dia. Todavia, a depressão volta no domingo à tarde quando penso que o ciclo vai se iniciar de novo. O mundo deveria ser feito de sextas! 

2002Onde histórias criam vida. Descubra agora