2011
Deitado em minha cama eu ponderava se me levantava ou não, se tomava banho e saía de casa ou se continuava na mesma posição, sem me mover ou encarar o mundo. Era uma daquelas fases que aconteciam toda vez que ele aparecia: uma mistura de frustração, saudade, desejo e desespero. Ele tinha me ligado, tinha insistido em me encontrar, mas dessa vez eu tinha decidido botar um ponto final. Não dava mais para continuar, e não importava quantos momentos bons tínhamos tido. Tudo na vida tem um fim, e já estava mais do que na hora de encerrar aquela história.
Me levantei a contragosto. Estava quente, então a ideia do banho era animadora. Não me demorei muito no banheiro porque esse era o momento em que eu mais pensava. Eu não podia ficar pensando ou ia estragar tudo.
Aguentei firme enquanto escolhia uma camisa. Enxuguei algumas lágrimas. Não dava mais para ficar em casa olhando o tempo passar. Perdendo tempo! Quem ia me devolver as noites e os dias que passei esperando? Ninguém.
O convite para aquela festa, apesar de não ser o evento que eu gostaria de ir, veio em boa hora. Nem que fosse para passar raiva, perder tempo e dinheiro, eu tinha que sair, ver gente nova, tomar alguma coisa... Reencontrar amigos. E a Mara era divertida. Ela tinha o poder de melhorar o meu astral.
Passei pela sala, ainda relutando. Olhei para o sofá; o controle da TV estava sobre o assento. Aquilo era praticamente um convite para eu continuar em casa e não me aventurar fora daqueles muros. O que eu faria se o encontrasse? E se mais uma vez eu não resistisse às suas investidas? Dizer não ao telefone era fácil se comparado a uma conversa ao vivo. Cara a cara, as coisas eram mais difíceis.
Não! — pensei, pegando dinheiro e chaves. Agora era definitivo. Se eu o encontrasse, iria repetir o que já tinha dito ao telefone: eu não queria mais. Tinha uma semana que eu tinha dito isso e estava aguentando firme. Estava na hora de dar mais alguns passos.
— Vai sair de novo, menino?
Era a minha mãe. Ela vivia reclamando que ficava sozinha em casa, mas isso não era verdade. Raramente eu saía que não fosse para o trabalho. Por isso, não respondi.
Eu já estava no portão quando ela emendou:
— Tome cuidado!
Acenei e saí antes que ela contasse algo sobre os assaltos e assassinatos ocorridos nas redondezas. Era uma forma de chantagem, eu sabia. Havia muito que estávamos sozinhos naquela casa e ela era um pouco tirana. Sua saúde não era boa, e como o restante da família tinha se mudado para o interior, nós só tínhamos um ao outro. Mas eu não pretendia voltar muito tarde.
Já na rua, liguei para Mara. Tão desanimado que eu estava sobre a festa que não tinha pedido nenhuma informação sobre onde ficava aquele endereço. Não tinham sido muito específicos no convite.
— Dan! Já tá vindo? — Mara disparou assim que atendeu à ligação.
— Sim. Só fiquei na dúvida aqui, esse bairro... Eu sempre confundo.
— Não inventa, seu danado, que você levantou da cama agora e ainda está pensando se vem ou não.
— Já estou na rua. Não está ouvindo o barulho?
— Você deve estar na janela.
— Tô dizendo, estou chegando no ponto. Pra onde devo ir?
— Te mando por mensagem. Anda logo que está ficando cheio aqui. Tem altas novidades. Você vai gostar.
— Até logo!
Tomei o ônibus que ia na direção que minha amiga indicou. Eu ainda estava sonolento, e se fosse ouvir as diversas vozes do meu corpo, eu daria meia-volta e ficaria em casa. Reconheci minha força de vontade e comemorei esse pequeno passo.
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Temporais
RomanceAlguns personagens dessa história aparecem em "Depois da Tempestade", mas não se trata de uma continuação. Não é preciso ler Depois da Tempestade antes. Quem leu, pode se lembrar de alguns spoilers. Sinopse Dois mundos opostos se encontram no fina...